Odýsseia) é uma dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga, atribuídos a Homero. É, em parte, uma sequência da Ilíada, outro obra creditada ao autor, e é um poema fundamental ao cânone ocidental moderno, e, historicamente, é a segunda - a primeira sendo a própria Ilíada - obra existente da literatura ocidental, tendo sido escrita provavelmente no fim do século VIII a.C., em algum lugar da Jônia, região da costa da Ásia Menor então controlada pelos gregos, e atualmente parte da Turquia.[1]
O poema está centrado principalmente no herói grego Odisseu (ou Ulisses, como era conhecido na mitologia romana) e sua longa viagem para casa depois da queda de Tróia. Odisseu leva dez anos para chegar à sua terra natal, Ítaca, depois da Guerra de Troia, que também havia durado dez anos.[2] Em sua ausência, presume-se que tenha morrido, e sua esposa, Penélope, juntamente com seu filho, Telêmaco, são obrigados a lidar com um grupo de indisciplinados pretendentes, os Mnesteres (em grego: Μνηστῆρες) ou Proci, que competem pela mão de Penélope em casamento.
A obra continua a ser lida por todo o mundo, tanto no original, escrito no chamado grego homérico, quando em inúmeras traduções para os idiomas atuais. O poema foi composto originalmente seguindo a tradição oral, por um aedo, provavelmente um rapsodo, e destinava-se mais a ser cantada do que lida.[3] Os detalhes das antigas performances orais da Odisseia, e de sua conversão a uma obra escrita, continuam até hoje a inspirar debates entre os estudiosos. A obra foi escrita num dialeto poético, que não pertence a qualquer região definida, e abrange 12.110 versos no hexâmetro dactílico.[4] Entre os elementos mais impressionantes do texto está a sua trama, surpreendentemente moderna em sua não-linearidade, e o fato de que os eventos mostrados dependem tanto das escolhas feitas por mulheres, criados e escravos quanto dos guerreiros. Em português, bem como em diversos outros idiomas, a palavra odisseia passou a se referir a qualquer viagem longa, especialmente se apresentar características épicas.
Argumento
Telêmaco, filho de Odisseu, tem apenas um mês de idade quando seu pai sai para combater em Tróia, numa guerra da qual ele não quer fazer parte.[5] No ponto em que a obra se inicia, já se passaram dez anos após o fim da Guerra de Troia - que por sua vez durou dez anos - Telêmaco tem 20 anos e está dividindo a casa de seu pai ausente, localizada na ilha de Ítaca, com sua mãe e uma multidão de 108 arruaceiros, "os pretendentes", cuja meta é persuadir Penélope de que seu marido está morto, e que ela deve se casar com um deles.
A deusa Atena, a protetora de Odisseu, discute seu destino com Zeus, rei dos deuses, no momento em que o inimigo do heroi, o deus do mar, Posídon, se ausenta do Monte Olimpo. Escondida como um chefe táfio chamado Mentes, ela visita Telêmaco e o encoraja a procurar notícias de seu país. Ele a oferece sua hospitalidade, e ela pode observar o comportamento inapropriado dos pretendentes, jantando em meio a arruaças enquanto o bardo Fêmio lhes interpretava um poema narrativo. Penélope opõe-se ao tema de Fêmio, o "Retorno de Tróia",[6] por lembrá-la de seu marido desaparecido, porém Telêmaco refuta suas objeções.
Naquela noite, Atena, disfarçada como Telêmaco, encontra um navio e uma tripulação para o verdadeiro Telêmaco. No dia seguinte, este reúne uma assembleia de cidadãos de Ítaca, para discutir o que deveria ser feito com os pretendentes. Acompanhado por Atena (agora disfarçada como seu amigo, Mentor, ele parte para a Grécia continental, onde é recebido por Nestor, o mais respeitável dos guerreiros gregos de Tróia, já de volta a seu lar, em Pilos. De lá, Telêmaco parte por terra, acompanhado pelo filho de Nestor, para Esparta, onde encontra Menelau e Helena, já reconciliados; estes descrevem como retornaram à Grécia depois de uma longa viagem, que passou pelo Egito e, de lá, pela ilha mágica de Faros, onde Menelau encontrou o velho deus do mar Proteu, que o contou que Odisseu havia sido aprisionado pela ninfa Calipso. Telêmaco também descobre o destino do irmão de Menelau, Agamenon, rei de Micenas e líder dos gregos em Tróia, assassinado logo depois de retornar ao seu lar, por sua esposa Clitemnestra e seu amante Egisto.
Odisseu e Nausícaa, de Charles Gleyre.
A obra chega então à história de Odisseu, que passou sete anos no cativeiro, na ilha de Calipso. Esta é persuadida a libertá-lo pelo deus mensageiro, Hermes, enviado por Zeus. Odisseu constrói uma jangada e recebe roupas, comida e bebida de Calipso; acaba naufragando, no entanto, por obra de Posídon, e é obrigado a nadar até a ilha de Esquéria onde, nu e exausto, ele se esconde numa pilha de folhas e adormece. Na manhã seguinte, desperto pelas risadas de garotas que se aproximam, vê a jovem Nausícaa, que veio com suas criadas lavar roupas à beira do mar. Odisseu pede ajuda a ela, que o encoraja a procurar a hospitalidade de seus país, Aretê e Alcínoo. Odisseu que inicialmente não se identifica, é bem recebido; permanece no local por diversos dias, participa de um pentatlo e ouve o cantor cego Demódoco executar dois poemas narrativos. O primeiro é um incidente obscuro da Guerra de Troia, a "Disputa ente Odisseu e Aquiles", enquanto o segundo é a narrativa de um caso de amor entre dois deuses do Olimpo, Ares e Afrodite. Odisseu pede então a Demódoco que retorne ao tema da Guerra de Tróia, que conta sobre o Cavalo de Tróia, um estratagema no qual Odisseu havia desempenhado um papel crucial. Incapaz de esconder suas emoções ao narrar o episódio, Odisseu finalmente revela sua identidade, e começa a contar a fantástica história de seu retorno à Tróia.
Odisseu arrebatado pela canção de Demódoco, de Francesco Hayez, 1813-15
Após uma incursão pirática em Ismara, na terra dos cicones, Odisseu e seus doze navios são desviados do curso por tempestades. Visitam então os letárgicos Comedores de Lótus, e são capturados pelo ciclope Polifemo, do qual escapa apenas após cegá-lo com um pedaço afiado de madeira. São recebidos por Éolo, senhor dos ventos, que dá a Odisseu um saco de couro contendo todos os ventos (com a exceção do vento oeste), um presente que deveria lhe ter garantido a viagem de volta para casa; seus marinheiros, no entanto, abrem de maneira tola o saco enquanto Odisseu dormia, pensando que continha ouro; todo o vento voou para fora do saco, e a tempestade resultante mandou os navios de volta para onde haviam vindo, quando Ítaca havia acabado de aparecer no horizonte.
Após pedir em vão para que Éolo o ajudasse novamente, Odisseu e seus companheiros reembarcaram nos navios e zarparam, viajando até encontrar o canibal Lestrigão. O navio de Odisseu acaba sendo o único a sobreviver ao ataque, e acaba indo parar junto à deusa-bruxa Circe, que transforma metade dos seus homens em porcos, após alimentá-los com vinho e queijo. Hermes, que havia alertado Odisseu a respeito de Circe, dá a ele uma droga chamada móli, que o fazia resistente à magia de Circe. Esta, atraída por esta resistência, apaixonou-se por ele e libertou seus homens a seu pedido. Odisseu e sua tripulação permaneceram na ilha por um ano, durante o qual festejaram, beberam e realizaram banquetes incessantes. Finalmente, os homens de Odisseu o convencem que é hora de partir para Ítaca; guiado pelas instruções de Circe, cruzam o oceano a atingem um porto na beira ocidental do mundo, onde Odisseu sacrifica aos mortos e invoca o espírito do velho profeta Tirésias para aconselhá-lo. Em seguida Odisseu encontra o espírito de sua própria mãe, que havia morrido de desgosto durante sua longa ausência; dela, descobre pela primeira vez notícias de sua própria casa e família, ameaçada pela cobiça dos pretendentes. Lá encontra também os espíritos de mulheres e homens famosos, entre eles Agamenon, que lhe informa sobre seu assassinato e lhe alerta sobre os perigos das mulheres (ver Nekyia para maiores detalhes do encontro de Odisseu com os mortos).
Ao retornar à ilha de Circe, são aconselhados por ela sobre as etapas restantes de sua jornada. Após costearem a terra das Sereias, passam por entre Cila, um monstro de muitas cabeças, e o redemoinho Caribde, e chegam à ilha de Trinácia. Lá, os homens de Odisseu ignoram os avisos de Tirésias e Circe, e abatem o gado sagrado do deus-sol, Hélio; este sacrilégio lhes traz como punição um naufrágio, onde todos morrem afogados, com a exceção de Odisseu, que consegue chegar à ilha de Calipso, ninfa que o força a se tornar seu amante por sete anos, até que ele consegui escapar.
Depois de ouvir com grande atenção a história, os feácios, marinheiros experientes, concordam em ajudar Odisseu a voltar para casa. Deixam-no à noite, enquanto está em sono pesado, num porto escondido em Ítaca. Lá ele consegue chegar à casa de um de seus antigos escravos, o pastor de porcos Eumeu. Odisseu se disfarça como um mendigo vagrante, para descobrir como estão as coisas em sua residência. Após jantar, conta aos trabalhadores da fazenda uma história fictícia sobre si; afirma ter nascido em Creta, e ter liderado um grupo de cretensesque lutaram ao lado dos gregos na Guerra de Tróia, e que havia passado sete anos na corte do rei do Egito, e depois naufragado na Tesprócia, de onde teria vindo a Ítaca.
Enquanto isso, Telêmaco navega para casa, vindo de Esparta, fugindo de uma emboscada preparada pelos pretendentes. Desembarca na costa de Ítaca e se dirige à casa de Eumeu; lá, pai e filho se encontram, e Odisseu se identifica para o filho (embora ainda não para Eumeu), e decidem que os pretendentes devem ser mortos. Telêmaco chega à sua casa primeiro; acompanhado por Eumeu, Odisseu retorna ao seu lar, ainda fingindo ser um mendigo, e presencia as arruaças dos pretendentes. Encontra-se com Penélope, e testa suas intenções com uma história inventada sobre seu nascimento em Creta onde, segundo ele, teria se encontrado com Odisseu. Ao ser interrogado, acrescenta que também havia estado recentemente em Tesprócia, onde fora informado sobre as viagens recentes de Odisseu.
Sua identidade é descoberta pela caseira, Euricléia, quando ela lava seus pés e descobre uma antiga cicatriz que Odisseu tinha, fruto de uma caçada a javalis; ele a faz jurar segredo. No dia seguinte, instigada por Atena, Penélope convence os pretendentes a competir por sua mão, numa competição de arco-e-flecha, utilizando o arco de Odisseu - que participa da competição, ainda disfarçado, e, após ser o único com força suficiente para dobrar o arco, a vence. Odisseu passa então a disparar flechas contra os pretendentes; com a ajuda de Atena, Telêmaco, Eumeu e Filoteu, um pastor, todos são mortos; Odisseu ainda executa, juntamente com Telêmaco, doze das criadas da casa que haviam feito sexo com os pretendentes, e, após mutilá-lo, também executam o pastor de cabras Melâncio, que havia caçoado de Odisseu e o maltratado. Odisseu então finalmente se identifica para Penélope, que, hesitante, o aceita após ele descrevê-la a cama que teria construído para ela após se casarem.
No dia seguinte Odisseu e Telêmaco visitam a fazenda de seu velho pai, Laertes, que também só aceita sua identidade após ver Odisseu descrever corretamente o pomar que Laertes lhe dera certa vez.
Os cidadãos de Ítaca, no entanto, seguem Odisseu e Telêmaco ao longo da estrada, planejando vingar as mortes dos pretendentes, seus filhos. O líder do grupo afirma que Odisseu havia causado a morte de duas gerações de homens de Ítaca - seus marinheiros, nenhum dos quais havia sobrevivido à jornada de volta, e os pretendentes, que ele havia agora executado. A deusa Atena intervem pessoalmente, e convence ambos os lados a abandonar a vingança. Ítaca finalmente está em paz novamente, e a Odisseia é concluída.[7]
domingo, 22 de novembro de 2009
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