domingo, 6 de dezembro de 2009

SÓLON 2 parte

SUMÁRIO DA VIDA DE SÓLON

I. Nobreza de Sólon. II. Seus costumes. V. Talento para a poesia. VI. Gosto pela filosofia moral. VII. Encontro dos sete Sábios em Delfos. VIII. Entrevista de Sólon e Anacársis-IX. Palestra com Tales. XI. Assunto da elegia de Salamina. XIII. Sólon faz a conquista dessa ilha. XVII. Arenga para o templo de Delfos. XVIII. Conspiração de Cilon. Mégara recupera a ilha de Salamina. – XIX. Epimênides é consultado. XX. Perturbações em Atenas por causa da desigualdade entre pobres e ricos. XXI. Sólon é escolhido mediador. XXII. Recusa o título de rei. XXIII. Dá leis a Atenas. XXIV. Abolição das dívidas. Mudanças de valor das moedas. XXVII. Sólon é nomeado reformador geral das leis e do estado. XXVIII. Anula as leis de Drácon. XXX. Mantém os ricos no exercício da administração e da magistratura. Estabelecimento das classes proporcionalmente às rendas. XXXII. Permissão dada a cada um para esposar a causa do oprimido. XXXIII. Areópago. XXXV. Nota de infâmia para quem não toma partido numa sedição. XXXVI. Leis do matrimônio. XXXIX.Proibição de falar mal dos mortos. Multa por injúrias. XL. Lei dos testamentos. XLI. Regulamentos para as mulheres. XLII. Para as crianças. XLIV. Observação sobre algumas leis de Sólon. XLVI. Regulamento para as águas. XLVII. Para as plantações de árvores e a venda de frutas. L. Direito de burguesia em Atenas. LI. Refeições de cidade. LII. Leis de Sólon escritas e confirmadas por cem anos. LIII. Regula o mês lunar. LIV. Viagens ao Egito e à ilha de Chipre. LVI. Entrevista com o rei Creso. XL. Perturbações em Atenas durante sua ausência. LXI. Regresso. LXII. Tragédias de Téspis. LXIII. Artifício de Pisístrato. LXIV. Conduta firme e sábia de Sólon. LXVI. Seus nervos sobre a ilha Atlântica. Sua morte.

Desde o segundo ano da 35a. olimpíada até ao segundo ano da 55a., 559 anos antes de Jesus Cristo.




Vida de Sólon, por Plutarco – Vidas Paralelas


Seguindo esse oráculo, Sólon passou uma noite em Salamina e sacrificou a Perifemo e a Cícris, semideuses do país.. Isso feito, deram-lhe os Atenienses quinhentos homens que se ofereceram voluntariamente e fizeram um decreto pelo qual ordenaram que, se eles tomassem a ilha de Salamina, seriam os primeiros no governo da coisa pública. Sólon embarcou com sua gente em diversos botes de pesca, com uma galeota a trinta remos que o seguia atrás, e ancorou bem perto da cidade de Salamina, abaixo de uma ponta que dá para a ilha de Negroponto. Os Mégaros que estavam dentro de Salamina, tendo sentido não sei como algum vento, sem todavia saberem de outro modo nada de certo, acorreram incontinenti às armas, em desordem e tumulto, e enviaram um de seus navios para descobrir o que havia, o qual, tendo-se aproximado demais, foi aprisionado por Sólon, que mandou prender e ligar os Mégaros, em lugar dos quais fez embarcar naquele mesmo navio os melhores homens Atenienses que havia em sua tropa, injungindo-lhes que singrassem diretamente para a cidade, conservando-se o mais ocultos e encobertos que pudessem; e, no mesmo instante, tomando consigo o restante de seus homens, desceu em terra e foi enfrentar os Mégaros que tinham saído para os campos; e, enquanto combatiam, os que ele enviara dentro do navio chegaram e se apoderaram da cidade.

XIV. E que esse relato seja verdadeiro, o que a esse respeito se representa ainda hoje o testemunho; pois há um navio Ateniense que chega muito quieto no começo, depois de repente os que estão dentro fazem um grande barulho e um deles, armado, lança-se fora do barco e dirige-se gritando para o escolho chamado Cirádion (6), situando do lado da terra, perto do templo de Marte, que Sólon fundou após haver derrotado em batalha os Mégaros, de onde ele devolveu, sem pagar resgate, os prisioneiros que não foram mortos no ardor da refrega.

XV. Não obstante, os Mégaros se obstinaram em querer ainda recuperar Salamina, até que, depois de terem causado e sofrido muitos males, aca
baram fazendo os Lacedemônios juízes e árbitros de sua causa: no qual julgamento, a comum opinião é que a autoridade de Homero serviu a Sólon, porque ele ajuntou à lista dos navios nomeados na Ilíada de Homero (7) estes versos que pronunciou diante dos juízes, como tendo verdadeiramente sido assim escritos por Homero:

Doze barcos o altivo Ajax levava
De Salamina e em linha os conservava
Com o quartel no qual os comandantes
De Atenas alojaram seus infantes. (8)

XVI. Todavia, os próprios Atenienses estimam ser por isso uma história inventada e dizem que Sólon fez ver aos juízes que Fileu e Eurisaces, ambos filhos de Ajax, tinham sido feitos burgueses de Atenas. Por esse meio, deram eles a ilha de Salamina aos Atenienses e foram habitar, um no lugar que se chama Bráuron, no país da Ática, e o outro no burgo de Mélita, em testemunho do que dizem eles que ainda há um cantão da Ática que se chama cantão dos Fileidas, do nome desse Fileu, do qual era natural Pisístrato. E dizem mais que Sólon, querendo ainda mais amplamente convencer os Mégaros, alegou que os de Salamina não enterravam os mortos como faziam os Mégaros, mas como os Atenienses; pois em Mégara, são enterrados com a face voltada para o sol levante, e em Atenas para o sol poente; todavia, Héreas de Mégara insiste em contradizer que os de Mégara os enterravam também com a face voltada para o sol poente, e alegou ainda mais que em Atenas cada morto tinha um sarcófago à parte e que em Mégara eram aí postos três ou quatro juntos. Mas dizem que houve ainda oráculos de Apolo Pítico que ajudaram Sólon, pelos quais o deus chamava Jônia a Salamina, Essa divergência foi decidida por cinco árbitros naturais da própria cidade de Esparta: Critolaidas, Amonfareto, Hipséquidas, Anaxilas e Cleômenes.

(6) O grego: contra os que vêm do lado da terra. C,
(7) Ilíada, II, 557 e 553.
(8) Em sua versão direta do grego e no metro original, publicada recentemente no Brasil pelo saudoso editor italiano Pasquale Petraccone, assim traduz o poeta Carlos Alberto Nunes esses versos de Homero: "De Salamina Ajax trouxe, também doze naves simétricas. Indo postá-las a par com as falanges dos homens de Atenas." — N. do ed, bras.



XVII. Ora, tinha já Sólon adquirido grande glória e reputação por essa façanha; mas ainda foi mais estimado e renomeado pela arenga que pronunciou em defesa do templo de Apolo na cidade de Delfos, advertindo ser preciso não admitir que os Cirreus abusassem à vontade do santuário do oráculo, e ser ainda necessário levar socorro aos Délficos em honra e reverência de Apolo; pois o conselho dos Anfictiões, comovido por suas advertências e razões, sentenciou a guerra contra os Cirreus (9), como vários outros testemunham, e mesmo Aristóteles no livro que escreveu sobre os que conquistaram o prémio nos jogos Píticos, ao atribuir a Sólon a honra de tal sentença; todavia, ele não foi eleito capitão para conduzir a guerra, como Hermipo diz que Evantes de Samos escrevera; pois o orador Esquines não o admite, e nos registros dos Délficos achasse que foi certo Acméon, e não Sólon, o capitão dos Atenienses. Ora, havia já longo tempo que o crime de Cílon (10) mantinha a cidade de Atenas em grande pena e aflição, desde o ano em que Mégacles, sendo preboste (11) em Atenas, usou de tão belas palavras para com os cúmplices de Cílon, que se haviam lançado na imunidade da deusa Minerva, que os persuadiu de que estavam com o direito e de que se apresentassem a julgamento segurando pela extremidade uma rede que ligariam à base da imagem da deusa, a fim de não perderem a imunidade; mas, quando chegaram à mansão das veneráveis deusas que eles dizem serem as imagens das Fúrias, descendo para irem apresentar-se a julgamento, a rede se rompeu por si mesma e, então, Mégacles e os outros oficiais seus companheiros os agarraram incontinenti, dizendo que era sinal manifesto de que a deusa Minerva lhes recusava salvaguarda. Assim foram os que puderam ser agarrados imediatamente lapidados fera da cidade, e os outros que acorreram aos altares foram ali mortos, e não se salvaram senão os que tiveram meio de fazer interceder por eles as mulheres dos governadores da cidade, os quais desde esse tempo ficaram muito mal queridos do povo e comumente chamados os excomungados,

(9) De Cirra, cidade da Fócida, perto do golfo de Corinto.
(10) Seiscentos anos antes de Jesus Cristo, Cílon apoderou- se da cidadela de Atenas, mas foi obrigado a fugir. Seus cúmplices foram degolados perto do altar das Eumênides. Eis o que se chama o crime de Cílon. Vide Tucídides, liv. I, n. 126.
(11) Arconte.



XVIII. Além disso, os descendentes dos que tinham sido dessa conspiração de Cílon recuperaram crédito e, tendo-se tornado poderosos, jamais cessaram, depois, de ter grandes querelas contra os descendentes de Mégacles; e aconteceu que as suas parcialidades adquiriram maior força ao tempo de Só
lon, o qual, tendo autoridade e vendo que todo o povo estava dividido nessas duas partes, pôs-se entre ambas com os principais personagens de Atenas e fez tanto, por suas advertências e pedidos para com aqueles que se chamavam os excomungados, que eles ficaram contentes de se submeterem a julgamento; assim foram eleitos juízes, para conhecer do caso, trezentos homens dentre a gente de bem da cidade, e foi acusador Míron de Fliunte, A causa foi pleiteada e, por sentença dos juízes, condenados os excomungados: dos quais os vivos foram para o exílio, e os ossos dos executados foram desterrados e lançados fora dos limites do território de Atenas. Os Mégaros, entretanto, aproveitaram-se habilmente da ocorrência de tais perturbações para atacarem os Atenienses, tomando-lhes o porto de Niséia e recuperando de suas mãos a ilha de Salamina.

XIX. Ademais, toda a cidade se achou presa de supersticioso terror, porque se falava na volta dos espíritos e no aparecimento de fantasmas. Os próprios adivinhos diziam que, por seus sacrifícios, notavam que a cidade estava contaminada de alguns casos abomináveis, que necessariamente constituíam motivo de purgação. Por essa causa, foi enviado a Cândia, para investigar, Epimênides de Festo, que se conta o sétimo dos sábios, ao menos entre os que nesse número não querem receber Periandro. Era um santo homem religioso e muito entendido nas coisas celestes por inspiração e revelação divina: em razão do que os homens de seu tempo lhe chamavam o novo Curete, isto é, profeta, e sustenta- va-se que era filho de uma ninfa chamada Balta. Tendo pois chegado a Atenas e contraído amizade com Sólon, ajudou muito e preparou-lhe-o caminho para estabelecer suas leis: pois acostumou os Atenienses a tornarem seus sacrifícios mais ligeiros e menos dispendiosos, mais suportáveis em seu suplício, eliminando deles certas austeridades e cerimônias barbarescas, que a maior parte das mulheres observava pondo luto, e ordenando certos sacrifícios que ele queria se fizessem logo após as obséquias de um defunto. Mas, o que é mais ainda do que tudo isso, acostumando a cidade à santidade e a devoções, por sacrifícios contínuos de propiciação, por preces aos deuses, purgações, oferendas e fundações, tornou aos poucos os corações dos homens mais dóceis para obedecerem à justiça e mais idóneos e tratáveis para conduzirem à união e concórdia, Conta-se também que, tendo visto o porto de Huníquia, após havê-lo considerado longamente, disse aos que o cercavam que «o homem era bem cego nas coisas do futuro, pois que, se os Atenienses, disse ele, soubessem quanto mal este porto aqui lhes deve acarretar, eles o comeriam, por assim dizer, com os próprios dentes». Dizem também que Tales, semelhantemente, predisse coisa análoga e ordenou que, quando falecesse, enterrassem seu corpo num mau lugar do qual não se fizesse conta dentro do território dos Milésios, dizendo que seria um dia a praça da cidade. Epimênides, pois, gozando por essas causas de grande reputação no conceito geral, prestaram-lhe os Atenienses grandes honras e lhe ofereceram belos presentes com boa soma de dinheiro, mas ele nada quis aceitar e pediu somente que lhe dessem um ramo da santa oliveira. O que lhe foi outorgado, lavrando ele um tento.

XX. Mas, sendo essa sedição de Cílon apaziguada e extinta em Atenas, porque os excomungados de lá foram expulsos, recaiu de novo a cidade nas antigas perturbações e dissensões, no tocante ao governo da coisa pública, e se dividiu em tantas ligas e parcialidades quantas eram as diversas espécies de territórios dentro do país da Ática: pois havia a gente da montanha, a gente da planície e a gente da marinha. Os da montanha eram populares para a vida; ao contrário, os da planície queriam que pequeno número dos grandes burgueses tivessem toda a autoridade no manejo dos negócios; e os da marinha, querendo um governo médio e composto de ambos, impediam que qualquer das partes contrárias pudesse sobrepujar a outra. Ademais, ao mesmo tempo, a querela entre pobres e ricos, procedendo da desigualdade, estava então no auge do seu vigor, de modo que a cidade enfrentava um perigo muito grande e parecia não haver nenhum meio de compor e pacificar todas essas diferenças, a não ser que se levantasse algum tirano para ocupar a monarquia e tornar-se senhor absoluto; pois todo o povo miúdo estava tão endividado com os ricos que, ou trabalhavam suas terras e estas lhes rendiam a sexta parte dos frutos, e por esse motivo se chamavam Hectemorii e criados, ou deles tomavam dinheiro emprestado com usura sobre a garantia de suas próprias pessoas, e, não podendo pagar, ficavam adjudicados aos credores, que os mantinham como servos e escravos em suas casas, ou então os mandavam vender em país estrangeiro; e vários havia que por pobreza eram constrangidos a vender os próprios filhos, porque não havia lei que o proibisse, ou a abandonar a cidade e o país pela aspereza e crueldade dos credores usurários, até que diversos dos mais dispostos e mais robustos se uniram e se entrecorajaram a não mais sofrerem isso, para elegerem um capitão dentre eles, homem fiel, que fosse livrar do cativeiro os que estivessem adjudicados como servos por não terem pago as dívidas no dia prefixado, e que também fizesse repartir de novo todo o território e mudar inteiramente o governo.

XXI. Então, os mais sábios da cidade, vendo que Sólon era o único isento de culpa, porque não participava nem da iniquidade e violência dos ricos, nem da necessidade dos pobres, pediram-lhe interviesse nos negócios, para apaziguar e sopitar todas essas parcialidades; todavia, Fânias de Lesbos escreveu que ele usou de um ardil, pelo qual enganou ambas as partes em benefício da coisa pública: pois prometeu secretamente aos pobres que mandaria de novo repartir as terras, e aos ricos que mandaria revalidar e confirmar os contratos. Como quer.que seja, é certo que Sólon no começo hesitou muito em interferir, temendo a cobiça de uns e a arrogância de outros; por fim, todavia, foi eleito preboste (12) depois de Filombroto, e ao mesmo tempo mediador e reformador das leis e do estado da coisa pública, por vontade e consentimento das duas partes: tendo agradado aos ricos como homem que não era necessitado, e aos pobres como homem de bem. Dizem mais que uma frase e sentença dele, então na boca de toda a gente, que a igualdade não gera debate, contentava tanto os que tinham recursos como os que não possuíam nada: porque uns consideravam essa igualdade esperando que ele a medisse de acordo com a dignidade e o valor de cada um, e os outros somente de acordo com o número e por cabeça: de sorte que os próprios chefes de ambas as partes o admoestavam e solicitavam-lhe que ousadamente assumisse o principado, visto como tinha na mão toda a cidade; e os que não eram de uma nem de outra liga, vendo ser bem difícil pacificar as coisas com a lei e a razão, não estavam descontentes de que o mais sábio e melhor homem exercesse sozinho a autoridade soberana; e, assim, há os que dizem ter havido mesmo tal oráculo de Apolo:

Toma assento na popa e tua mão
Segura firme e intrépido o timão
Para reger Atenas, a cidade
Onde possuis dos teus a atividade.

(12) Arconte.





XXII. Mas sobretudo os familiares e amigos o instavam dizendo que ele seria bastante besta se, por medo somente de ser chamado tirano, deixasse de aceitar a monarquia, a qual se torna incontinenti justo reinado quando aquele que a exerce é homem de bem: como outrora Tinondas se fez rei do Negro- ponto pelo consentimento do povo, e agora Pítacd o é dos Coríntios. Não obstante, todas essas belas razões, jamais puderam fazê-lo sair de sua resolução; e dizem que respondeu aos amigos que «o principado e tirania era bem um bonito lugar, mas que não havia por onde sair depois de nele ter entrado»; e, num poema que escreveu a Foco, diz:

Se deixei de ultrajar o meu país
Usurpando um governo que não quis
Fosse de tirania e principado,
Por força iníqua e mando exacerbado,
Deslustrando meu nome e meu talento,
Não há motivo de arrependimento,
E nisso espero haver ultrapassado
Os homens do presente e do passado.

Por onde aparece que, ainda antes de ter sido eleito reformador do estado, para estabelecer leis novas, já era tido em grande reputação e possuía muita autoridade; mas ele próprio escreveu o que vários diziam dele após ter recusado a ocasião de usurpar a tirania:

Sólon um louco foi desabusado,
Por haver dessa forma rejeitado
Aquele grande oráculo divino.
Puxar a si não soube, astuto e fino,
A rede com a presa já segura.
E o motivo se vê de tal loucura
Somente em seu falido coração
E no cérebro cego de razão;
Pois que ser deveria, sem favor,
De Atenas rei e dos seus bens senhor,
Mesmo que depois, vivo o esquartejassem
E até parentes seus despedaçassem.

XXIII. Eis como imaginou o homem comum falando a seu respeito; mas, tendo recusado a monarquia, não se portou por isso mais mole nem mais frouxamente no governo dos negócios e nem vergou com medo dos mais poderosos, nem acomodou suas leis ao grado e à vontade dos que o elegeram reformador; e também não extirpou o mal ao vivo, nem remodelou o estado da maneira que teria sido mais expediente, por temer que, tentando reformar de alto abaixo todo o governo da cidade, não tivesse depois bastante poder para assentá-la de novo e restabelecê-la na melhor forma: portanto, modificou somente o que esperava persuadir pela razão ou fazer aceitar pela força aos seus concidadãos, misturando, como ele próprio disse, a força com a justiça. Ao que se acorda o que depois respondeu a alguém que lhe perguntara se havia estabelecido as melhores leis possíveis para os Atenienses: «Sim, disse ele, tais como as receberiam.» E o que mais tarde se observou na língua dos Atenienses, que adocicam a dureza de certas coisas odiosas em si mesmas, cobrindo-as e diminuindo com doce e graciosos nomes, como quando chamam às putas, amigas; às talhas, contribuições; às guarnições das cidades, guardas; à prisão, casa — surgiu isso primeiramente da invenção de Sólon, o qual chamou à abolição das dívidas «Seisachtheian», que equivale a dizer desencargo.

XXIV. Pois a primeira inovação e reforma que fez do governo da coisa pública foi ordenar que «todas as dívidas passadas seriam abolidas, de sorte que no futuro não mais se poderia reclamar nada aos devedores; e ninguém mais poderia emprestar dinheiro com usura sob obrigação do corpo». Todavia, há quem escreva, como entre outros Andrócion, que os pobres se contentaram de que as usuras fossem apenas moderadas, sem que as dívidas fossem abolidas e anuladas inteiramente, e que Sólon chamou «Seisachtheian» a esse desafogo e a esse gracioso desencargo, com o aumento das medidas e do valor das moedas; pois fez que a mina de prata, que antes não valia mais de setenta e três dracmas (13), valesse cem, de maneira que os que tinham a render grande soma de dinheiros vinham a pagar em estimação e valor tanto quanto deviam, e não tanto em número de peças (14); assim, os devedores ganhavam muito e os credores nada perdiam. Não obstante, a maior parte dos que escreveram a esse respeito diz que tal desencargo foi uma recisão geral e universal e uma abolição de todos os contratos, com o que parecem concordar os próprios poemas de Sólon, pois se gaba e glorifica, em seus versos (15), «de haver tirado todos os limites que antes faziam as separações das herdades em todo o território da Ática (16) a qual diz ter libertado, quando antes era serva; e dos burgueses de Atenas, que por falta de pagamento estavam adjudicados como escravos aos seus credores, trouxera, uns de países estrangeiros onde por muito tempo tinham sido vagabundos e que tinham esquecido ao falarem a língua natural Ateniense, e os outros, reduzidos no país a um cativeiro de miserável condição, a todos libertara.»

(13) A mina de Atenas, antes da reforma de Sólon, era de 75 dracmas. Essas 75, ou essas 100 dracmas, valiam 77 libras francesas
(14) Há aqui uma transposição que Ruauld notou bem- É preciso corrigir: "de maneira que os que tinham a render grande soma de dinheiros vinham pagar em número de peças tanto quanto deviam, e não tanto em valor", isto é, em peso e em valor intrínseco.
(15) Nas Observações sobre o cap. XXIV achar-se-á uma tradução desses versos, que Aristides nos conservou mais completos.



XXV. Mas, assim fazendo, dizem que interveio um caso que o irritou e desgostou bastante: pois, quando estava a ponto de publicar o édito pelo qual cassava e anulava todas as dívidas, não restando senão deitá-lo em bons termos e dar-lhe honesto começo, descobriu-se a alguns de seus amigos de maior confiança e com os quais tinha mais familiaridade, Cônon, Clínias e Hipõnico, e lhes disse que não.tocaria nas terras nem herdades, mas que anularia toda espécie de dívidas; eles, incontinenti, antes que o édito fosse publicado, foram tomar em prestada daqueles que estavam cheios de. pecúnia grande soma de dinheiros, com a qual compraram herdades; depois, quando o édito foi publicado, retiveram muito bem as herdades e não restituíram o dinheiro que haviam tomado de empréstimo. Isso provocou grande barulho contra Sólon e fez com que fosse muito caluniado, como se ele próprio não tivesse sofrido, mas feito parte daquela injustiça e daquele abuso; todavia, justificou-se dessa falsa imputação, mediante três mil escudos que perdeu (17), pois acharam que tanto ele devia, e foi assim o primeiro que os remeteu e deu aos seus devedores, segundo o teor de seu édito; dizem outros, entre os quais Polizelo de Rodes, que havia destes nove mil (18); todavia, jamais se deixou mais tarde de chamar aos seus amigos Creocopides, como quem dissesse anuladores de dívidas.

(16) Amyot não entendeu essa passagem dos poemas de Sólon. Ela foi muito bem explicada por Loiseau, sábio jurisconsulto, que corrige: "Pois ele se gaba e glorifica, em seus versos, de haver tirado os brandões e pendões colocados em muitos lugares nas terras hipotecadas. Diz ele havê-las libertado, quando antes eram servas.” Chamam-se brandões e pendões os avisos ou sinais colocados nas terras apenhadas e por vender judicialmente. Eram postos na Ática sobre as terras hipotecadas: operação simples, sábia e útil.



XXVI. Essa ordenança não aguardou nem a uns nem a outros, porque ofendeu grandemente os ricos pela cassação dos contratos; e desagradou ainda mais aos pobres, porque não punha em comum todas as terras, assim como esperavam, e não igualou todos os cidadãos em faculdades e em bens, como Licurgo fizera entre os Lacedemônios. Mas Licurgo era o undécimo descendente de Hércules em linha reta e tinha sido vários anos rei de Lacedemônia onde adquirira enorme autoridade e fizera muitos amigos: todas as quais coisas o ajudaram grandemente a pôr em execução o que sabiamente imaginara para o estabelecimento de sua coisa pública; e, não obstante, ainda usou ele mais de força que de advertência, como testemunha o fato de que lhe furaram um olho ao querer impor um ponto que na verdade é o principal e de maior eficácia, para longamente manter uma cidade em união e concórdia, ou seja, fazer que não haja nem pobre nem rico entre os cidadãos. O que Sólon não pôde conseguir, porque era nascido de raça popular e não era dos mais ricos de sua cidade, mas dos médios burgueses somente; mas fez bem tudo o que era possível fazer, com o pouco poder que tinha, não sendo ajudado senão pelo bom-senso e pela confiança que os cidadãos lhe depositavam. E que seja verdade que por esse édito incorreu no desagrado da maior parte dos habitantes da cidade, testemunhado ele próprio, dizendo:



Os que antes se diziam meus amigos
São agora ferozes inimigos,
Vendo-me sempre com olhar reverso,
Como se eu fosse mesmo algum perverso.

E, todavia, também diz depois que ninguém, com a mesma autoridade e poder

Teria (19) em qualquer tempo assim logrado
Apaziguar o povo amotinado.

(17) No grego, cinco talentos, ou 23,343 libras francesas,
(18) No grego, quinze talentos, ou 70,120 libras francesas.



XXVII. Mas não passou muito tempo para conhecerem a utilidade de sua ordenança; e, então, esquecendo cada qual suas queixas particulares, fizeram todos juntos um público sacrifício a que chamaram o «Sacrifício de Seisachthein», isto é, de desencargo, e elegeram Sólon reformador geral das leis e de todo o Estado da coisa pública, sem limitar- lhe o poder, antes submetendo indiferentemente todas as coisas à sua vontade, os magistrados, as assembleias públicas para o conselho, os votos e sufrágios nas eleições dos oficiais, os julgamentos, o corpo do Senado, com autoridade e poder de definir as faculdades e poderes que cada um deveria ter, o número que deveriam ser e o tempo que teriam de durar, conservando, confirmando ou cassando o que bem lhe parecesse das leis e costumes antigos e já recebidos em uso.

XXVIII. Primeiramente, pois, revogou e anulou todas as leis de Drácon, excetuadas somente as dos crimes e homicídios, por sua demasiada rigo
rosa severidade e crueldade das penas, pois quase a única espécie de punição, ordenada para todas as faltas e todos os crimes, era a morte; de maneira que os acusados e convencidos de ociosidade eram condenados à morte, e os que roubavam frutas ou ervas num jardim eram tão severamente punidos como os sacrílegos ou os assassinos. E, portanto, observou muito bem Dêmades quando disse que «as leis de Drácon tinham sido escritas com sangue e não com tinta»; e ele próprio, sendo um dia interrogado porque havia assim ordenado indiferentemente para todas as espécies de crimes a pena de morte, respondeu que «porque estimava os menores crimes dignos de tal pena e que para os maiores não encontrava outra mais grave».

(19) Vide as Observações sobre o capítulo XXVI.



*

XXX. (20) Secundariamente, querendo Sólon que a administração e a magistratura ficassem nas mãos dos cidadãos ricos, como estavam, e além disso misturar a autoridade do governo de sorte que o povo miúdo nela tivesse parte, o que não havia antes, fez uma estimação geral dos bens de cada cidadão particular e dos que se acharam ter renda anual até à quantidade de quinhentas meias-minas e acima, tanto em grãos como em frutos líquidos, e fez deles a primeira ordem e lhes chamou Pentacosiomedimnes, isto é, possuidores de quinhentas meias-minas (21) de renda. E os que possuíam trezentas e podiam entreter um cavalo em serviço foram postos na segunda ordem e chamados cavaleiros. Os que tinham apenas duzentas foram postos na terceira ordem e chamados Zeugites. Todas as outras abaixo se chamavam Tetes, como quem dissesse mercenários ou assalariados, vivendo de seus braços, aos quais não permitiu tivessem nem exercessem nenhum cargo público e não gozassem do direito de burguesia, senão quando votassem nas eleições e assembléias, públicas, bem como nos julgamentos, nos quais o povo julgava soberanamente. O que no começo parecia não ser nada, mas depois se conheceu muito bem ser grande coisa, porque a maior parte dos processos e diferenças surgidas entre os particulares vinha afinal perante o povo, pois ele permitiu que perante o povo, de todas as coisas de que conheciam os oficiais, apelassem aqueles que pensassem ser gravados por suas sentenças.



(20) Falta no original o cap. XXIX ou então se trata, possivelmente, de mero erro de numeração. — N. do ed. bras.
(21) No grego, quinhentos medimnos. A meia-mina não é mais de três alqueires de Paris. Mas o medimno continha mais de quatro alqueires, como notei sobre a vida de Licurgo, cap. XII. Sobre essa base deve ser calculada a renda das classes em Atenas. Consistia ela em grãos e frutos líquidos, isto é, vinho e óleo


SÓLON
Por Plutarco

Tradução brasileira de Aristides da Silva Lobo conforme a edição francesa de 1818. Notas de Brotier, Vauvilliere e Clavier.
Fonte: Ed. Das Américas.

O gramático Dídimo, num pequeno tratado que escreveu e dedicou a Asclepíades, no tocante às tábuas das leis de Sólon, cita as palavras em que certo (1) Ânficies, contra a opinião comum daqueles que disso fazem menção, diz que o pai de Sólon se chamava Eufórion, pois todos os outros escrevem conformemente que ele era filho de Excestides, homem de recursos e, além disso, das mais nobres e mais antigas casas da cidade de Atenas: pois do lado paterno descendia do rei Codro, e, quanto à mãe, Heráclides do Ponto escreve que era prima-germana da mãe de Pisístrato. De maneira que no começo houve grande amizade entre eles, parte por causa do parentesco e parte também por causa da gentileza e beleza de Pisístrato, do qual se diz que Sólon foi amante durante algum tempo, daí resultando que mais tarde, tendo-se ambos desavindo por causa do governo da coisa pública, a controvérsia não produziu nenhum incidente demasiado acre nem violento, pois ficaram sempre em seus espíritos os deveres e obrigações do passado, que conservaram a memória daquele amor, nem mais nem menos que de um fogo muito grande a chama ainda ardente." .

(1) Há, em todas edições, Filócles C.

II. Que Sólon não tenha sido muito firme para resistir à beleza, nem bastante valente campeão para combater o amor, pode-se evidentemente conhe
cer tanto por outros escritos poéticos de sua autoria como pelo estatuto no qual proíbe que o servo se perfume ou seja amante de meninos, como pondo isso na ordem das coisas honestas e louváveis exercícios e convidando por assim dizer as pessoas dignas àquilo de que excluía as indignas. Também dizem que o próprio Pisístrato, foi amante de Carmo e que foi ele quem doou a pequena imagem de amor que está no parque da Academia, no lugar onde aque
les que correm com o archote sagrado costumam acendê-la.

III. Mas, tendo o pai de Sólon, conforme diz Hermipo, diminuído seus bens em dar e praticar atos semelhantes de liberalidades, ele, embora pudesse facilmente encontrar quem lhe fornecesse dinheiro para as necessidades, teve vergonha de aceitá-lo, porque pertencia a uma casa mais acostumada a dar e ajudar os outros do que a receber; e assim, jovem ainda, foi constrangido a dedicar-se ao comércio. Todavia, dizem outros que foi antes para ver e apren
der do que para traficar e ganhar que Sólon saiu a correr mundo; pois em verdade estava desejoso de saber, como se pode verificar pelo fato de que, sendo já idoso, dizia ordinariamente este verso:

Aprendendo à medida que envelheço.

E, assim, não era avarento nem muito amante da riqueza, como diz em uma passagem:

O mais (2). rico não é quem tem ganância
De ouro e prata em inútil abundância,
Numerosos rebanhos e manadas,
Cavalos, mulos, terras cultivadas,
Mas, ao contrário, o que possui somente
Roupa que o vista e cibo que o sustente;
Se além disso, entretanto, pode ter
De esposa e filho o divinal prazer,
Vendo a beleza à mocidade unida,
Então será perfeita sua vida.



E, em outra passagem, diz também:

Que algo ter eu deseje é bem verdade,
Mas por direito meu, com equidade,
Pois quem de outra maneira tem riqueza
Nas mãos cai da justiça com certeza.
(2) Nas observações sobre o capítulo III, encontrar-se-à tradução mais exata desse fragmento.

IV. Também nada há que proíba que o homem de bem e de honra, assim como não deve atormentar-se para adquirir mais bens do que precisa, também possa e deva esforçar-se por ter o suficiente para as necessidades. Ora, não havia naquela época nenhum estado censurável, como diz Hesíodo (3), nem arte ou mister que pusesse diferença entre os homens; além disso, a mercadoria era tida como coisa honrosa, que permitia frequentar e traficar com as nações estrangeiras e bárbaras, ganhar a amizade dos príncipes e adquirir experiência de várias coisas. De tal maneira que houve comerciantes que foram outrora fundadores de grandes cidades, como (4) aquele que primeiro fundou Marselha, após conquistar a amizade dos Gauleses, habitantes da região ao longo do rio Ródano; e dizem que o sábio Tales de Mileto exerceu também o comércio, outro tanto fez o matemático Hipócrates, e Platão custou as despesas de sua viagem ao Egito com o dinheiro ganho na venda de óleos. Mas também existe a opinião de que Sólon aprendeu a ser excessivo em despesas, delicado no viver e dissoluto no falar das volúpias em seus poemas, um pouco mais licenciosamente do que convém a um filósofo, por ter sido educado nesse estado de comércio, o qual, estando sujeito a azares muito grandes e a grandes perigos, requer também que em recompensa se tenha boa mesa e delicioso tratamento; e, não obstante, ele se incluía no número dos pobres, e não no dos ricos, como demonstram estes versos:

Enquanto maus existem que enriquecem,
Há muitos bons que pobres permanecem;
Todavia, trocar nossa bondade
Não desejamos pela vil maldade,
Pois a virtude é firme e perdurável,
Mas a riqueza incerta e transmutável.

(3) Nenhum trabalho é desonroso, só a ociosidade desonra. Hesíodo. Os trabalhos e os Dias, v. 311.
(4.) No grego: como Proto, que fundou Marselha. Vide Justino, liv. XLIII, cap. 3.

V. Ora, quanto à poesia, no começo só a cultivou por passatempo, quando tinha lazer, sem escrever em verso nenhuma coisa de importância; mais tarde, porém, compôs vários temas graves de filosofia e descreveu a maior parte de tudo o que fizera no governo da coisa pública, não em forma de história ou de memória, mas de discurso; pois a! dá a razão das coisas por ele feitas e em alguns trechos admoesta, crítica e repreende os Atenienses; e assim, há quem queira ainda dizer que ele ensaiou pôr em versos suas ordenanças e leis, recitando-lhes o começo, que era o seguinte:

A Júpiter rogar primeiramente
Quero que, em seu domínio onipotente.
Conceda às minhas leis tamanha glória
Que se conserve delas a memória.

VI. E, quanto à filosofia, amou principal mente a parte da moral que trata do governo das coisas públicas, como também fizeram em sua maior parte os sábios daquela época; mas, quanto à filosofia natural, era nisso maravilhosamente simples e grosseiro, como aparece nestes versos:

Neve e granizo, que a natura encerra,
Vão-se formando no ar e caem na terra,
Ao passo que o trovão é procedente
Do raio e do relâmpago luzente;
O mar por fortes ventos é batido
E, se de qualquer modo enfurecido
Por elemento externo assim não fosse,
Seria ele o mais brando, justo e doce.

Também não houve outro, em suma, senão somente Tales, entre todos os sete sábios da Grécia, cuja sabedoria passasse e procurasse mais além da contemplação das coisas de uso comum dos homens; pois, exceto aquele, todos os outros adquiriram renome de sapiência por serem bem entendidos em matéria de estado e de governo.

VII. Dizem que todos sete um dia se encon traram juntos na cidade de Delfos, e outra vez na de Corinto, onde Periandro os reuniu num festim que ofereceu aos outros seis; mas o que mais lhes aumentou a glória e lhes deu mais fama e renome foi a resti tuição do tripé, quando todos o recusaram, cedendo-o por turno uns aos outros, com honesta humildade. Pois tendo, como dizem, alguns pescadores da ilha de Co lançado a rede ao mar, houve alguns estrangeiros que, de passagem pela cidade de Mileto, compraram a linha da rede antes que ela fosse puxada; mas, quando foi puxada, encontrou-se dentro um tripé de ouro maciço, o qual dizem que Helena, ao voltar de Tróia, atirara naquele lugar como lembrança de um antigo oráculo que então lhe viera à memória. Assim, houve disputa por causa do tripé, primeiro entre os pescadores e os estrangeiros; mais tarde, porém, as próprias cidades continuaram a demanda através de seus respectivos povos, a qual teria prosseguido até à guerra aberta, não tivesse a profetisa Pítia dado a ambas as partes o mesmo oráculo: «Entregassem o tripé ao mais sábio.» Seria ele assim primeiramente enviado a Tales, na cidade de Mileto, mas o cederam de bom grado os de Co a um particular, porque estavam em guerra contra todos os Milésios. Tales declarou estimar Bias mais sábio do que ele, e o tripé lhe foi enviado; este de novo o mandou a outro, como ao mais sábio; e outro ainda a outro, de sorte que, tendo assim passado e dado a volta pelas mãos de todos, foi parar, pela segunda vez, nas mãos de Tales, na cidade de Mileto, e finalmente levado para Tebas e dedicado ao templo de Apolo sobrenomeado Ismênico; todavia, TEJO escreve que ele foi primeiro enviado a Bias, na cidade de Priena, e depois a Tales, na cidade de Mileto, por cessão de Bias, e que, tendo passado pelas mãos de todos, retornou ainda às mãos de Bias, até que por fim foi enviado para a cidade de Delfos.

VIII. Eis como o descreve a maior parte dos antigos autores, dizendo uns que foi, em lugar de um tripé (5); uma copa que o rei Creso enviara para a cidade de Delfos; dizem outros que era um vaso que Baticles ali deixara, e narram ainda outra particular entrevista de Anacársis e Sólon, e outra com Tales, ao contarem que tiveram esta conversa: Anacársis, tendo chegado a Atenas, foi bater à porta de Sólon, dizendo que era estrangeiro e vinha expressamente para travar conhecimento e amizade com ele. Sólon respondeu-lhe que «era melhor cada um conquistar amizades em seu próprio país»; e Anacársis replicou- lhe: «Tu, pois, que estás agora em teu país e em tua casa, começa por fazer amizade comigo». E, então, Sólon, surpreso com a vivacidade e prontidão do seu entendimento, deu-lhe muito boa acolhida e o teve algum tempo consigo em casa, com ele fazendo camaradagem, mesmo no tempo em que mais se empenhava no manejo da coisa pública e compunha suas leis. O que vendo Anacársis, zombou de tal empresa, porque ele pensava com leis escritas refrear e conter a avareza e a injustiça dos homens: «Pois tais leis, dizia, se parecem propriamente com as teias de aranha, prendendo os pequenos e os fracos, enquanto os ricos e poderosos passarão através e as romperão.» Sólon respondeu-lhe «que. os homens cumprem os contratos e acordos que firmam uns com os outros, porque não é expediente para nenhuma das partes transgredi-los; e que, semelhantemente, também ele temperava suas leis de sorte que dava a conhecer aos cidadãos que era mais útil obedecer às leis e à justiça do que violá-las». Não obstante, as coisas foram mais tarde postas à prova, antes segundo a comparação feita por Anacársis do que segundo a esperança concebida por Sólon. Mas Anacársis, tendo um dia comparecido a uma assembléia pública em Atenas disse que «se maravilhava de que nas consultas e deliberações dos Gregos os sábios propusessem as matérias para os tolos decidirem».

(5) No grego: "uma copa que o rei Creso tinha enviado ou, segundo outros, um vaso que Baticles deixara". Esse Baticles era provavelmente o escultor de que íala Pausânias, liv. III, cap. 18. 0

IX. Dizem eles também que Sólon esteve algumas vezes na cidade de Mileto, na residência de Tales, onde se maravilhou de que este não tivesse querido tomar mulher para ter filhos; Tales nada lhe respondeu imediatamente, mas, alguns dias depois, disso encarregou um estrangeiro que informara ter chegado havia pouco de Atenas, pois de lá partira apenas dias antes. Sólon perguntou-lhe incontinenti se havia alguma novidade, e o estrangeiro, que Tales havia assoprado, respondeu: «Nada de novo, além do enterro de um jovem a cujo funeral toda a cidade compareceu, porque era filho de um dos maiores personagens e melhores homens da cidade, que na ocasião não se achava presente, pois fazia muito tempo, pelo que diziam, que estava fora.» «Ó pobre pai infeliz, disse então Sólon; e como se chamava ele?» «Eu ouvi seu nome, disse o estrangeiro, mas só me lembro de que toda a gente dizia tratar-se de um personagem de grande sabedoria e probidade.» Afinal, cada vez mais aterrorizado com as respostas daquele homem, Sólon não pôde conter-se e, inteiramente perturbado, sem ter dito seu nome ao estrangeiro, perguntou-lhe se era o filho de Sólon, que tinha morrido, «Sim», respondeu o estrangeiro. Então, Sólon pôs-se a esmurrar a própria cabeça e a fazer e dizer tudo aquilo a que se acostumaram os que estão mortificados pelo sofrimento e que impacientemente suportam sua aflição. Mas Tales, rindo, o conteve e lhe disse: «Eis aí, Sólon, a causa que me impediu de casar e gerar filhos, a qual é tão violenta que logo te transtornou, embora no mais tu sejas rijo e forte para a luta; mas, quanto ao que te disse esse homem, não te perturbes, pois não é verdade.» Hermipo escreve que Pateco, o tal que dizia ter a alma de Esopo, o conta também.

X. Não obstante, é falto de bom-senso e de bom coração o homem que não ousa adquirir as coisas necessárias por medo de perdê-las, porque desse jeito não estimaria nem a honra, nem os bens, nem a ciência, quando os possuísse, por medo de privar-se deles; pois vemos que a própria saúde, que é a maior e a mais doce riqueza que o homem poderia adquirir, perdesse muitas vezes por doença ou por algumas medicinas ou bebidas; e, mais, o próprio Tales não estaria isento desse medo por não ter sido casado, a não ser que desejasse confessar que não tinha afeição nenhuma aos amigos, aos parentes e ao país; mas, ao contrário, teve um filho adotivo e adotou um sobrinho chamado Cibisto, filho de uma irmã. Pois nossa alma, tendo em si uma faculdade naturalmente amorosa e nascida para amar, nem mais nem menos do que possui outras para sentir, entender e reter, desprende-se às vezes e se liga à parte afetiva e estimável dos objetos que não lhe são próprios e que em nada lhe pertencem; nem mais nem menos do que se fosse uma casa ou uma herdade destituída de legítimos herdeiros, que estrangeiros ou bastardos encontrassem, por adulações, meio de ocupar e invadir: os quais fazem de sorte que, sendo a alma inclinada a amá-los, também receia e teme perdê-los. De tal maneira que vereis, às vezes, homens revessos de natureza repelirem para longe aqueles que lhes falam de casamento e geração de filhos legítimos; e mais tarde morrem de medo e arrependimento, quando vêem os filhos que tiveram de escravas ou de concubinas caírem doentes ou morrerem, e se deixam escapar palavras indignas de homens de coragem; e alguns há que, pela morte de cães ou cavalos, se desconfortam tão cobarde e miseravelmente que ficam quase para morrer. Mas, ao contrário, também há outros que por terem perdido os filhos, homens de bem e de honra, não fizeram nem disseram nada de pusilânime nem de feio, antes se portaram todo o resto da vida como homens sábios, constantes e virtuosos; pois é a imbecilidade, e não a caridade, a causa desses desgostos infinitos e desses temores desmesurados em pessoas não exercitadas nem acostumadas a combater com a razão contra a fortuna, o que é motivo também de não gozarem do prazer do que amam ou desejam, mesmo quando está presente, pelos contínuos temores, angústias e terrores que sofrem pensando que serão um dia privados desse bem. Ora, é preciso, não se armar e fazer pavês de pobreza contra a dor da privação de bens, nem de falta de afeição contra o perigo de perder os amigos, nem de fuga do casamento contra a morte de filhos; antes é preciso prover-se da razão contra todos os acidentes.

XI. Mas, por enquanto, já discorremos bastante, e mais do que o bastante, sobre o assunto. Tendo pois os Atenienses sustentado longa e fastidiosa guerra contra os Mégaros, no tocante à possessão da ilha de Salamina, por fim se cansaram e fizeram um édito pelo qual proibiram houvesse homem tão ousado ou tão atrevido para submetera ao conselho da cidade a necessidade de querelar mais a dita possessão, e isso sob pena de morte. Sólon, não podendo suportar tal vergonha e vendo que os jovens, pela maior parte, não pediam outra coisa senão a abertura da guerra, mas que não ousavam abrir a boca para falarem sobre isso por causa do édito, fez parecer que estava fora do senso, mandou divulgar pela cidade a notícia de que enlouquecera e, tendo composto secretamente alguns versos elegíacos, aprendeu-os de cor para pronunciá-los em público. Então, lançou-se um dia subitamente fora de casa, tendo um chapéu à cabeça, e correu para a praça, onde se reuniu incontinenti grande número de populares em torno dele, e, subindo à pedra de onde era costume fazer os apelos e proclamações públicas, começou a pronunciar, cantando, a elegia que assim começa:

De Salamina, arauto satisfeito,
Venho para exaltar o grande feito;
Mas, ao invés de em prosa vos falar,
Prefiro os belos versos meus cantar.

Essa elegia é intitulada Salamina e contém cem versos, muitos belos e bem feitos: os quais, tendo sido então publicamente pronunciados por Sólon, seus amigos puseram-se incontinenti a louvá-los em altas vozes, mesmo Pisístrato, e foram exortando e suscitando o povo assistente a crer no que ele dissera; assim fizera, de sorte que na mesma hora o édito foi revogado e de novo a guerra prosseguida com mais ardor do que antes, sob a directo e a superintendência de Sólon.

XII. Ora, o que sobre isso se conta, mais vulgar e mais comumente, é que ele foi por mar, com Pisístrato, até ao templo de Vênus sobrenomeada Colíada, onde encontrou todas as mulheres fazendo uma festa solene e um sacrifício ordinário à deusa; e, aproveitando a ocasião, enviou um homem de confiança aos Mégaros, que então ocupavam Salamina, tendo-o instruído para se fingir traidor, expressamente vindo para adverti-los de que, se quisessem surpreender todas as principais damas de Atenas, bastaria seguirem com ele. Os Mégaros facilmente acreditaram e fizeram incontinenti embarcar certo número de homens; mas, logo que Sólon percebeu que o navio partira de Salamina, mandou que as mulheres se retirassem e, em lugar delas colocou homens jovens e ainda imberbes, os quais fez enfeitar de toucas, vestidos e sapatos femininos, com curtas adagas escondidas debaixo das roupas, e ordenou- lhes que brincassem e bailassem juntos ao longo do mar, até que os inimigos descessem em terra e o seu navio fosse capturado. O que foi feito, pois os Mégaros, enganados pelo que viam de longe, desembarcaram e em seguida se lançaram em massa à terra, na suposição de que iriam aprisionar mulheres; mas não escapou um, pois foram todos mortos em ação. Isso feito, os Atenienses ganharam logo o mar e seguiram para a ilha de Salamina, a qual foi por eles surpreendida e tomada sem dificuldade.



XIII. Dizem outros que tal surpresa não se verificou, mas que Apolo Deifico lhe dera primeiramente este oráculo:

Primeiro tornarás, com sacrifícios,
Todos os semideuses mais propícios,
Patronos do lugar, presentemente
Sepultos em Asopo, no ocidente.



XXXI. E, mais, como suas leis estivessem um pouco obscuramente escritas, de maneira que podiam ser interpretadas em vários sentidos, isso aumentou grandemente a autoridade e o poder dos julgamentos e dos que deviam julgar, porque não podendo ser suas diferenças resolvidas nem acordadas por expressa decisão das leis, era preciso recorrer sempre para os juízes e quase todas as questões serem debatidas diante deles; de tal maneira que os juízes, por esse meio, vinham a ficar de algum modo acima das próprias leis, porque davam a estas as interpretações que entendiam. O próprio Sólon nota e testemunha igual distribuição da autoridade pública, numa passagem de sua poesia, onde diz:

Ao povo humilde conferi poder
No que lhe cabe por direito haver,
Sem reduzir-lhe em nada a dignidade
Nem lhe aumentar demais a autoridade:
E, quanto aos grandes, cheios de opulência,
Detentores de toda a preeminência,
Agi de tal maneira que afinal
Não se pode causar-lhe nenhum mal (22).

XXXII. Mas, estimando necessário prover ainda à fraqueza do povo miúdo, a quem o quisesse permitiu tomar e esposar a causa do ultrajado; pois, se alguém tivesse sido ferido, batido, forçado ou de outro modo prejudicado, a quem o quisesse era permitido chamar o ultrajante à justiça e persegui-lo. O que foi sabiamente ordenado por ele, para acostumar os cidadãos a ressentir-se e doer-se pelo mal causado uns aos outros, como membro do corpo ofendido; e com essa ordenança se relaciona uma resposta que dizem ter ele dado uma vez. Interrogado sobre que cidade lhe parecia melhor policiada, respondeu: «Aquela onde os que não são ultrajados perseguem tão asperamente a reparação da injúria de outrem como aqueles mesmos que a receberam.»

(22) Acrescentar, segundo o grego: "Armei cada porção do povo, em suma, Para que opressão não haja de nenhuma." C.





XXXIII. Ora, tinha já estabelecido a corte e o conselho de Areópago, compondo-o daqueles que cada preboste (23) da cidade elegia, ele próprio era um deles, porque tinha sido preboste durante um ano; mas, não obstante, vendo que o povo estava ainda ao mesmo tempo arrogante e excessivo, por- sentir-se desobrigado de suas dívidas, criou outro segundo conselho para as matérias de estado, elegendo cem homens de cada linhagem, dos quais havia quatro para consultar e debater as matérias antes de propô-las ao povo, a fim de que não se pudesse dar andamento a nenhuma causa, quando o grande conselho de todo o povo estivesse reunido, que não tivesse sido primeiramente bem debatida e bem digerida nesse conselho dos quatrocentos. Além disso, quis que a corte soberana tivesse a direção e a superintendência de todas as coisas, mesmo quanto a fazer entreter, observar e guardar as leis, estimando que a coisa pública seria menos agitada e menos atormentada com essas duas cortes, nem mais nem menos do que com duas fortes âncoras, e que o povo seria mais pacífico e mais quieto. A maior parte, pois, dos autores é dessa opinião de que foi Sólon quem estabeleceu a corte dos Areopagitas, como dissemos: do que parece ser grande testemunho que Drácon, em suas leis, não faz em nenhuma parte menção dos Areopagitas, antes dirige sempre suas palavras aos Éfetas, que eram os juízes criminais, quando fala dos crimes e homicídios.

(23) Arconte.






XXXIV. Mas a oitava lei da décima-terceira tábua de Sólon diz assim, nestes próprios termos: «Os que tiverem sido banidos ou marcados de infâmia antes de haver Sólon estabelecido suas leis, serão restituídos em seus bens e em sua boa reputação, exceto aqueles que tiverem sido condenados por aresto da corte de Areópago ou pelos Éfetas, ou pelos Reis no auditório do palácio e prefeitura da cidade, por crime e homicídio, ou por ter aspirado a usurpar tirania.» Essas palavras, ao contrário, parecem provar e fazer fé de que a corte de Areópago existia antes de Sólon ter sido eleito reformador das leis: pois como haveria malfeitores condenados por aresto da corte de Areópago antes de Sólon, se o próprio Sólon foi o primeiro que lhe deu autoridade para julgar? Com isso não se quer dizer que seja preciso um pouco ajudar a letra da ordenança, que é obscura, e suprir alguma coisa que lhe falte dando-lhe tal interpretação. Os que se acharem acusados e convencidos nos casos de que conheciam a corte de Areópago, os Éfetas ou os governadores da cidade, quando esta ordenança for publicada, ficarão condenados, e todos os outros serão absolvidos e restituídos. Como quer que seja, isso era o fim de sua intenção. Mas, de resto, entre as suas leis, há uma que lhe é peculiar, porque jamais alhures foi estabelecida semelhante.





XXXV. É aquela que quer que, numa sedição civil, aquele dos cidadãos que não se enfileira numa ou noutra parte seja marcado de infâmia: por onde parece que ele tenha querido que os particulares não cuidassem somente de pôr em segurança suas próprias pessoas e seus negócios privados, sem de outro modo afeiçoar-se ou apaixonar-se pelo público, fazendo virtude de não comungar dos infortúnios e misérias do país, antes que desde o começo da sedi
ção se juntassem àqueles que tivessem a causa mais justa, ajudá-los e arriscar-se com eles, em lugar de esperar, sem correr perigo, qual das duas partes fica
ria vitoriosa.

XXXVI. Mas há outra que me parece à primeira vista impertinente e digna de escárnio: a que determina que, tendo alguém desposado uma rica herdeira segundo o direito que a lei lhe confere, se ache impotente ou incapaz de carnalmente usar e habitar com ela, seja permitido à mulher habitar com quem lhe aprouver dentre os parentes próximos do marido; todavia, há quem sustente que isso foi sabiamente instituído contra os que, sentindo-se impotentes para realizar ato de marido, querem contudo desposar ricas herdeiras para gozar de seus bens e, pelo direito que lhe dá a lei, querem forçar a natureza; pois, vendo que a lei permite também a tal herdeira mal casada juntar-se com quem ela queira dentre os parentes do marido, eles não mais ambicionarão tais casamentos ou, quando se mostrem tão vis que os ambicionem e os aceitem, será para sua vergonha e confusão, sofrendo assim a pena de sua avareza e desordenado apetite. E ainda isso está tão bem ordenado que ele não permite à mulher juntar-se com todos indiferentemente, mas só com aquele que desejar dentre os parentes do marido a fim de que os filhos que nascerem sejam ao menos do sangue e da raça do marido.

XXXVII. Com isso também concorda o fato de querer que a recém-casada seja encerrada com o esposo, comendo marmelo (24) com ele, e que aquele que toma tal herdeira em casamento seja obrigado a visitá-la ao menos três vezes por mês. Pois, ainda que não lhe faça filhos, será isso uma honra que o marido presta à mulher, mostrando que a reputa honesta, que a ama e que faz conta dela: o que evita muitas brigas e descontentamentos que frequentemente ocorrem em tal caso e impede que as;coragens e vontades se alheiem inteiramente entre si. Além disso, aboliu os dotes dos outros casamentos e quis que as mulheres não levassem aos maridos senão três vestidos somente, com alguns outros móveis de bem pequeno valor, sem outra coisa, não querendo que elas comprassem os maridos nem que se traficasse com os casamentos, como com outra mercaria para obter ganho, antes querendo que a conjunção de homem e mulher se fizesse para ter linhagem e por prazer e amor, não por dinheiro.

(24) Os antigos estimavam o marmelo por seu odor e efeitos salutares. Vide Plínio, XV, II, XXIII, 6.

XXXVIII. A esse propósito, o tirano da Sicília, Dionísio, respondeu um dia a sua mãe, que a toda a força queria casar-se com um jovem de Siracusa: «Eu posso muito bem, disse ele, anular as leis civis de Siracusa e usurpar a tirania, mas forçar as leis da natureza, fazendo casamentos fora da idade competente, isto não é de minha alçada.» Também é preciso não permitir que essa desordem tenha lugar nas cidades bem ordenadas, nem suportar que se realizem tais conjunções de pessoas tão desiguais em idade e tão desagradáveis, visto como não há nem ato nem fim próprio e requerido para o casamento; e poderia um sábio governador de cidade ou um censor e reformador dos costumes e das leis dizer a um velho que desposasse uma mocinha o que disse o poeta de Filoctetes:

Agora, em tal estado, na verdade,
Tens para o casamento a boa idade.
E, encontrando certo rapaz em casa de uma velha rica, com as despesas pagas para dormir com ela, à maneira das perdizes que engordam cobrindo as fêmeas, o tirará de lá para o pôr com alguma rapariga necessitada de marido: eis o que há quanto a esse ponto.



XXXIX. Mas, louva~se grandemente outra ordenança de Sólon, que proíbe falar mal de um defunto: pois é bem e devotamente feito pensar que não se deve tocar nos defuntos, como tampouco nas coisas sagradas, e se deve evitar ofender os que não mais estão neste mundo; e, assim, é prudência civil impedir que as inimizades sejam imortais. Proibiu ele também pela mesma lei injuriar com palavras ultrajantes os vivos, as igrejas, durante o serviço divino, em julgamento, no palácio onde se assentam os governadores da cidade, nem nos teatros, enquanto ali se representam as peças, e isso sob pena de três dracmas de prata (25) pagáveis à pessoa injuriada e duas à coisa pública; pois lhe parecia uma licença dissoluta demais não poder conter em parte alguma a própria cólera, a menos que se trate de pessoa muito mal-educada; mas também poder vencê-la por toda parte é coisa bem difícil, e para alguns totalmente impossível. E é preciso que aquele que faz a lei observe a ordinária possibilidade dos homens, se pretende castigar uns poucos com proveitoso exemplo, e não muitos sem nenhuma utilidade.

XL. Também foi ele muito estimado, pela ordenança que fez no tocante aos testamentos, pois antes não era permitido instituir herdeiro à vontade, mas era preciso que os bens ficassem na raça do defunto; mas ele, permitindo a qualquer deixar seus bens para quem quisesse, desde que não houvesse filhos, preferiu assim fazendo a amizade ao parentesco, e a vontade e graça ao constrangimento e necessidade; fazendo que cada um fosse senhor e dono inteiramente de seus haveres; e, todavia, não aprovou simples e indiferentemente todas as espécies de doações que de qualquer modo fossem feitas, mas só as que não procedessem nem de senso alienado por moléstia grave, ou por bebidas, medicinas, envenenamentos, encantamentos ou outra violência e constrangimento, nem de atrações e aliciamentos de mulheres, estimando muito bem e muito sabiamente que era preciso não pôr diferença entre o ser forçado por vias de fato e o ser induzido por suborno a fazer alguma coisa contra o dever, e reputando em tal caso a fraude igual à força e a volúpia à dor, como paixões que têm ordinariamente tanta eficácia umas quanto as outras para fazerem os homens desviar-se da justa razão.



(25) A dracma valia cerca de dezesseis soldos de libra francesa.

XLI. Fez ainda outra ordenança pela qual limitou as saídas das damas para os campos, o luto, as festas e os sacrifícios, eliminando toda desordem e toda licença desregrada, ali em uso anteriormente: pois as proibiu de saírem da cidade com mais de três vestidos e levarem então consigo, para comerem e beberem, o que passasse o valor de um óbolo (26), ou cesto com mais de um côvado de altura; e, notadamente, as proibiu de saírem à noite, a não ser de carreta e que se lhes levasse à frente um archote. Proibiu-as também de se escalavrarem e de se mortificarem à força de tanto baterem em si mesmas nos enterramentos dos mortos, de fazerem lamentações em versos, de irem chorar nos funerais de um estrangeiro que não fosse seu parente, de sacrificarem um boi na sepultura do defunto, de inumarem com os corpos mais de três vestidos, de irem às sepulturas de outrem senão à hora mesma do cortejo do enterramento — todas as quais coisas que, em sua maior parte, são ainda hoje proibidas por nossas íeis, e mais, pois querem que os que as fazem sejam condenados a multa por certos oficiais expressamente ordenados para controlar e reformar os abusos das mulheres, como sendo pessoas efeminadas e de coragem frouxa, que se deixam dominar por tais paixões e tais erros em seu luto.

(26) O óbolo era a sexta parte da dracma e valia cerca de dois soldos e meio de libra francesa.-

XLII. E, vendo que a cidade de Atenas se enchia todos os dias cada vez mais, para ali acorrendo os homens de todas as partes pela grande segurança e liberdade ali existentes, que a maior parte do território era inteiramente estéril ou magra, e que os homens traficando no mar não tinham o costume de nada levarem para os que não lhes davam nada em troca, ensaiou fazer que os cidadãos se dedicassem aos misteres e manufaturas, e fez uma lei pela qual «o filho não seria obrigado a nutrir o pai na velhice, a não ser que este o tivesse feito aprender um mister na juventude». Pois a Licurgo, que habitava numa cidade onde não havia nenhum dote de estrangeiros e que possuía tão grande território que poderia ter o dobro de seus habitantes, como disse Eurípides, e que além disso estava por toda parte cercado de grande multidão de Hilotas escravos, os quais era melhor evitar fossem ociosos e manter submissos, constrangendo-os a trabalhar e lidar continuamente, fora indicada a conveniência de conservar os cidadãos sempre ocupados no exercício das armas, sem fazê-los aprender nem exercer nenhum outro mister, desencarregando-os de quaisquer outras vocações penosas e tarefas braçais. Mas a Sólon, acomodando suas ordenanças às coisas, e não as coisas à sua ordenança, e vendo que o território da Ática era tão magro e tão fraco que mal podia dar para nutrir somente os que o laboravam, sendo-lhe impossível sustentar tão grande multidão de habitantes, pareceu-lhe haver necessidade de honrar e dignificar os misteres. Quis, assim, que a corte soberana de Areópago tivesse a autoridade e o encargo’ de inquirir de que vivia cada habitante e de castigar os que achasse ociosos (27) e sem fazer nada.

(27) Tinha razão Sólon, ao considerar a ociosidade um crime. Queria ele que todo cidadão prestasse contas da maneira pela qual ganhava sua vida. Numa boa democracia, não se deve gastar senão para o necessário. Cada um deve possuí-lo; pois de quem o receberíamos? — como observa muito bem Montesquieu, "L’ Esprit des Lois", v. 7.


Mas isso era ainda muito mais rígido do que ele ordenou, assim como Heraclides do Ponto escreve, pois os filhos nascidos de concubinas ou de mulheres públicas não seriam obrigados a nutrir os pais: porquanto aquele que, em matéria de casamento, não faz conta do dever, mostra manifestamente que não é para ter filhos que usa mulher, mas para com ela ter volúpia somente; e também recebe assim o salário que merece e se priva ele próprio da autoridade que um pai deve ter sobre os filhos, visto como, por sua culpa, até o nascimento para eles se transforma em jaca.

XLIV. Todavia, para dizer a verdade, há nas leis de Sólon, no tocante às mulheres, muitas coisas descosidas e que se concatenam muito mal, pois (28) ele permite seja morto o adúltero pilhado em flagrante; e aquele que raptou ou tomou à força uma mulher de livre condição, não o condena senão a multa de cem dracmas de prata (29), e aquele que tiver sido o corruptor e a tiver conduzido, a vinte dracmas (30) somente, exceto se ela não é das que publicamente se vendem a quem as queira, como as cortesãs, pois estas vão abertamente àqueles que as desejam. Ademais, proibiu fossem vendidas suas filhas ou irmãs, a’ não ser que o pai ou o irmão achasse que com o casamento fariam ofensa à sua honra. Ora, não há propósito nem razão de punir uma coisa acre e severamente num lugar e deixá-la passar em outro, por assim dizer, brincando, ou estabelecer-lhe alguma ligeira multa, como por mera quitação: assim, não é por procurarem o dinheiro então muito curto em Atenas que se queira dizer que essas multas fossem muito graves e difíceis de pagar; pois, na apreciação das oferendas que se deviam fazer nos sacrifícios, põe um carneiro e uma dracma de prata por meia-mina de trigo (31), e ordena que àquele que tivesse ganho o prêmio nos jogos ístmicos, seriam dados em público cem dracmas; e àquele que tivesse ganho nos jogos Olímpicos, quinhentas; e como recompensa àquele que levasse um lobo, ordena cinco dracmas, e por uma loba, uma dracma, como escreve Demétrio de Falero, dizendo que um era o preço e o valor de um boi, e o outro de um carneiro: pois, quanto às taxas que ordena para as hóstias esquisitas e eleitas na décima-sexta tábua de suas leis, é verossímil que as taxe muito mais alto do que então valiam ordinariamente as comunas, e não obstante ainda é o preço que para elas ele supõe bem pouco em comparação com o que hoje valem.

(28) Vide as Observações sobre o cap. XLIV.
(29) Setenta e sete libras francesas.
(30) Cerca de dezesseis libras francesas.
(31) Eis aí um quadro interessante da cidade de Atenas no tempo de Sólon. Um carneiro valia uma dracma, a dracma valia cerca de 16 soldos. Um carneiro e uma dracma, ou cerca de 32, soldos, eram o preço de um medimno de trigo, isto é, mais de quatro alqueires, que perfazem o peso de mais de 84 libras de trigo, medida de Paris. Um boi não valia senão cinco dracmas, ou cerca de quatro francos. O preço do gado e do trigo era muito baixo em Atenas. Encorajava-se a população. Ao mesmo tempo, havia grandes recompensas para os vencedores nos jogos: para uns, cem dracmas, ou 77 libras; para outros, quinhentas dracmas, ou 385 libras. Excitavam-se os talentos; preparava-se o belo século de Péricles.

XLV. Ora, coisa costumeira de longa data entre os Atenienses é fazer a guerra aos lobos, por isso que achavam o país mais próprio para a pastagem do que para a lavoura; e há os que a esse respeito querem dizer que as linhagens do povo Ateniense não foram chamadas pelos nomes dos filhos de Íon, como sustenta a opinião comum (32), mas que tiveram seus nomes tirados das diversas maneiras de viver que desde o começo eles adoraram: pois aqueles que se dedicaram às armas se denominaram Oplites, como quem dissesse os armados; os que lidavam nos misteres se chamaram Ergades, que vale tanto como dizer os artesãos; dos outros dois, os que lavravam a terra foram chamados Gedeontes, que significa lavradores, e aqueles que tratavam de nutrir o gado, Aegicores, que vale tanto como dizer cabreiros.

XLVI. E, por isso que a província da Ática é muito seca e tem grande falta de águas, não sendo banhada por rios ou regatos correntes nem por lagos, nem tendo grande número de fontes, de maneira que é forçoso usar na maior parte do país as águas de poços feitos a mão, fez ele tal regulamento que, onde houvesse um poço público, os que estivessem a uma carreira de cavalo mais ou menos limitada a cerca de quinhentos passos, poderiam tirar água desse poço para seu uso e os que estivessem mais afastados seriam obrigados a buscar alhures água para si; mas, se depois de haver procurado a uma profundidade de braças não encontrassem ainda água, nesse caso poderiam tirar do poço mais próximo uma bilha de água contendo seis potes (33), duas vezes por dia: estimando com grande razão que era preciso socorrer a necessidade, não entreter o ócio.

(32) Essa opinião é a de Heródoto, v.66. Ela é ainda confirmada por uma inscrição antiga, existente em Cízico. Vide Oáylus, Recueil d’Antiquités, t. II, páginas 207 e seguintes.
(33) Essa bilha de seis potes continha vinte e uma pintas de água, medida de Paris. As duas bilhas perfazem quarenta e duas pintas. É a quantidade de água que nos cálculos econômicos se supõe necessária para a manutenção de um casal.

XLVII. Regulou também as distâncias que é preciso guardar no plantio de árvores (34), como homem bem entendido em tal caso, ordenando que quem quisesse plantar qualquer outra espécie de árvores no seu terreno, o fizesse a cinco pés longe daquela do seu vizinho; mas quem ali plantasse uma figueira ou uma oliveira, que fosse a nove pés de distância, porque essas duas árvores lançam e estendem as raízes muito longe e não podem ficar perto de outras árvores sem causar-lhes grande dano, pois que, além de lhes subtraírem a nutrição, lançam-lhes ainda um influxo que lhes é muito nocivo. E quem quisesse fazer um fosso ou cavar um buraco no seu terreno, que o fizesse tão longe do terreno do vizinho quanto o fosso ou buraco cavado tivesse de profundidade; e quem quisesse assentar sobre o seu terreno colméias de abelhas, que as assentasse a trezentos pés, pelo menos, longe daquelas que antes tivessem sido assentadas em torno dele.



(34) Essas leis são ainda, nessa parte, a base do direito romano. Vide a lei 13 do Digesto, tit. Finium regundorum- C.





XLVIII. Quanto aos frutos da terra, permitiu que somente óleos fossem transportados para fora do país e vendidos aos estrangeiros, e não outros, querendo que o preboste da cidade, cada ano, publicasse e pronunciasse imprecações e maldições contra os que o fizessem ou que ele próprio pagasse ao público, de multa, cem dracmas de prata. Essa ordenança está na primeira tábua das leis de Sólon e, portanto, não se devem descrer totalmente daqueles que dizem ter sido outrora proibido e defendido o transporte de figos para fora do país da Ática, tendo sido por isso os delatores, que acusavam e apontavam aqueles que os transportavam, chamados Sycophantes.

XLIX. Fez outra ordenança no tocante ao prejuízo causado pelos animais, na qual manda que, se um cão mordesse alguém, o dono fosse obrigado a entregá-lo à pessoa mordida, ligado a um cepo de madeira de quatro côvados de comprimento: boa invenção para se preservar do cão.

L. Mas há bem alguma dificuldade na ordenança que ele fez, que nenhum estrangeiro poderia adquirir direito de burguesia em Atenas, a não ser que estivesse banido perpetuamente do seu país ou que ali viesse ficar com todos os seus móveis e toda a sua família, para exercer algum mister; todavia.;dizem que não o fez tanto para repelir quanto para atrair os estrangeiros, dando-lhes por esse estatuto a segurança de poderem adquirir direito de burguesia; e, o que é mais, estimou que uns e outros seriam assim mais fiéis à coisa pública de Atenas: uns, porque, malgrado seu, teriam sido constrangidos a abandonar seu país; e outros, porque o teriam deixado voluntariamente após madura deliberação.

LI. É também outra coisa própria e peculiar a Sólon o que ele ordenou no tocante aos que deveriam comer em certos dias no palácio e prefeitura da cidade, ao que em suas ordenanças chama Para- siter: pois não quer que uma mesma pessoa ali coma frequentemente; mas também, se aquele ao qual incumbe o dever de fazê-lo não o faz, ele o condena a multa, repreendendo a mesquinhez e a avareza mecânica de um e a arrogância do outro, no desprezarem os costumes públicos.

LII. Após haver estabelecido suas leis, rizou as todas pelo espaço de cem anos, e foram escritas sobre eixos ou rolos de madeira que giravam dentro dos quadros mais longos do que largos, onde estavam encaixados, dos quais existem ainda algumas relíquias em nossa época, que se mostram na prefeitura de Atenas. Diz Aristóteles que esses rolos se chamavam Cirbes; e também Cratino, o poeta cômico, diz numa passagem: «Da parte de Sólon e da parte de Drácon, Cirzes dos quais já se começa a fritar o catete»; todavia, dizem outros que os Cirbes propriamente eram tábuas contendo as ordenanças tocantes aos sacrifícios, e Axones as outras tábuas. Assim, jurou todo o conselho, em comum, que observaria e faria observar ponto por ponto todas as ordenanças de Sólon; mas particularmente, ainda, cada um dos Tesmotetes, que eram certos oficiais do corpo do conselho que tinham especialmente a seu cargo a guarda das leis, jurou solenemente na grande praça, perto da pedra onde se fazem as proclamações públicas, prometendo e votando que, quando transgredisse um só ponto das ditas ordenanças, pagaria ao templo de Apolo, na cidade de Delfos, uma imagem de ouro maciço, que pesaria tanto quanto ele.

LIII. Entrementes, vendo a irregularidade dos meses e do movimento da lua, a qual não se governa segundo o curso do sol, levantando-se e deitando-se na mesma ocasião que ele, mas que frequentemente num mesmo dia o alcançava e o passava, foi o primeiro que nomeou a esse dia da lua Ene cainea, isto é, velha e nova lua: estimando que o que aparecia antes da conjunção era do mês passado, e o que se mostrava após a conjunção pertencia ao mês seguinte. E foi consequentemente também o primeiro, em meu aviso, que apreendeu bem o que Homero (35) assim queria dizer: «Quando termina o mês e quando se inicia» (36). Ao dia seguinte chamou Neomenia, que é o mesmo que dizer o novo mês ou a nova lua; e após o vigésimo dia, que eles chamam (37) de Icade, contou o resto do mês, não aumentando, antes diminuindo, nem mais nem menos do que via a luz da lua ir decrescendo até ao trigésimo dia.

(35) Na Odisseia, XIV, 162

LIV. Tendo pois suas leis sido assim publicadas, dirigiam-se todos os dias alguns a ele para louvarem ou censurarem certos artigos, e para lhe pedirem que tirasse ou acrescentasse alguma coisa, e vários iam perguntar-lhe como entendia determinada passagem e exigir que declarasse em que sentido era preciso tomá-la. Eis porque, considerando que recusar fazê-lo não teria propósito e que, fazei, também provocaria muita inveja, indagou como sair desses espinhos para evitar ataques, reclamações e querelas dos cidadãos; pois, como ele próprio diz,

Em negócios quaisquer, dificilmente.
A todos se contenta inteiramente.

Assim, tomou o encargo de conduzir um navio para dar alguma côr à sua viagem e à sua ausência, e se despediu dos Atenienses por dez anos, esperando que dentro desse termo já se teriam acostumado a suas leis; depois, ganhou o mar e o primeiro lugar a que aportou foi o Egito, onde ficou algum tempo, como ele próprio diz:

Onde um braço do Nilo ao mar se lança Tendo Canobo (38) ali por vizinhança.



Vida de Sólon, por Plutarco – Vidas Paralelas


Esteve também algum tempo conferenciando e estudando com Psenofis de Heliópolis e Sonquis de Sais, os dois mais sábios presbíteros que então havia no Egito, dos quais tendo ouvido a descrição da ilha Atlântica, assim como escreve Platão, ensaiou pô-la em versos e publicá-la entre os Gregos.

(
LV. Ao partir do Egito, passou em Chipre, onde travou grande amizade comum dos príncipes do país, chamado Filócipro, que era senhor de uma cidade não muito grande, que Demofonte, filho de Teseu, fez construir outrora sobre o rio Clare, era situação bem forte, mas em país áspero, magro e estéril. Eis porque Sólon advertiu-lhe que seria melhor removê-la daquele lugar para uma bela e fértil planície existente mais abaixo, e ali reedificá-la maior e mais aprazível do que era: o que foi feito por sua persuasão; e esteve ele próprio presente, tendo toda a superintendência da construção da cidade, a qual ajudou a dispor e ordenar muito bem, tanto para o prazer como para a força e para a segurança, de maneira que muita gente de alhures ali foi habitar. E nisso vários outros senhores do país seguiram o exemplo desse Filócipro, o qual, para honrar Sólon, deu à sua cidade o nome de Solos, que antes se chamava Épi. O próprio Sólon, em suas elegias, menciona essa fundação, dizendo, ao dirigir a palavra a Filócipro:

A ti e à tua sã posteridade
Dêem os deuses real autoridade
Por muito tempo em Solos; e também,
Deixada esta nobre ilha, para além
Com meu barco ligeiro navegar,
Possa eu ir sem perigo sobre o mar,
Conduzido por Vênus coroada:
Se esta cidade foi por mim formada,
Desejo só chegar, se o permitis,
Com segurança e glória ao meu país.

LVI. E, quanto à entrevista e ao parlamento entre ele e o rei Creso, bem sei que há os que pretendem provar por colação dos tempos que seja uma fábula meramente inventada (39); mas, quanto a mim, não quero assim rejeitar nem condenar uma história tão renomeada, recebida e aprovada por tantos e tão graves testemunhos, e que ademais é muito conveniente aos costumes e à natureza de Sólon e do mesmo modo digna de sua sabedoria e de sua magnanimidade, ainda que não se relacione nem concorde de todo com certas tábuas que se chamam Crênicas, onde se cotaram a ordem e a sequência dos tempos, as quais infinitas pessoas ensaiaram corrigir até hoje e não souberam jamais soldar nem acordar todas as contradições e repugnâncias que ali estão. Sólon, pois, a instância e pedido de Creso, foi vê-lo na cidade de Sardes e, tendo ali chegado, AC tudo nem mais nem menos do que se conta de um homem nascido e nutrido em terra firme, que jamais tivesse visto o mar nem perto nem longe, de tal modo que cada rio que encontrava ele cuidava que fosse o mar: também Sólon, passando através do palácio de Creso e encontrando em seu caminho vários dos senhores de sua corte vestidos muito SAN e trazendo após si grande séquito de servidores e de satélites, cuidava sempre que cada um deles fosse o rei, até que foi conduzido diante do próprio Creso, o qual tinha sobre si tudo o que era possível ter de mais esquisito, mais singular e mais admirável no mundo, tanto em pedrarias como em tecidos de rico colorido e obras de ourivesaria, para se mostrar a Sólon no mais magnífico, mais soberbo e mais suntuoso apuro. E, vendo que Sólon, ao chegar diante dele, não tinha mostrado sinal nem continência de homem que se maravilhasse de ver toda aquela pompa, nem dissera nenhuma palavra que se aproximasse do que ele esperava, mas antes tinha dado bastante a conhecer a pessoas de bom entendimento que desprezava em si mesma toda essa tola vaidade e baixeza de coração, mandou que lhe abrissem todos os seus tesouros, onde estavam o seu ouro e a sua prata, e que lhe mostrassem toda a opulência e a magnificência de seu móveis, sem que ele tivesse deles nenhuma necessidade, pois era suficiente vê-lo inteiramente só para perceber quais eram sua natureza e seus costumes. E, após haver visto bem e revisto tudo, quando outra vez foi reconduzido diante do rei Creso, este lhe perguntou se vira jamais homem mais feliz do que ele: Sólon respondeu que sim e que era um burguês de Atenas chamado Telo, o qual tinha sido homem de bem e deixara filhos muito estimados e suficientes haveres, e que afinal tivera a dita de morrer muito gloriosamente combatendo pela defesa de seu país.

(39) Freret fez reflexões sobre essa história nas "Memórias da Academia das Inscrições", tomo V, pág. 176-.

LVII. Creso, tendo ouvido essa resposta, começou a estimá-lo homem de cérebro aventurado, ou grosseiro e sem julgamento, por não medir a bati e felicidade deste mundo no possuir muito ouro e dinheiro, e reputar a vida e a morte de um homem privado, de pequena e baixa condição, mais feliz do que a opulência e o poderio de tão grande rei; mas, não obstante, ainda lhe perguntou que outro homem ele tinha visto mais feliz do que ele depois desse Telo. Sólon lhe respondeu que vira Cléobis e Bíton, dois irmãos que haviam singularmente amado um ao outro e a sua mãe, de sorte que num dia de festa solene, em que ela devia ir ao templo de Juno na sua carreta puxada por bois, porque os bois demorassem demais em vir, submeteram-se os dois voluntariamente ao jugo e puxaram eles mesmos ao pescoço a carreta de sua mãe, a qual teve por isso muito grande alegria e foi reputada muito feliz por todo o povo, por haver tido tais filhos; depois, tendo sacrificado à deusa e comido bem no festim do sacrifício, foram deitar-se, mas não mais se levantaram no dia seguinte, antes foram encontrados mortos sem terem sofrido mal nem dor, após terem recebido tanta glória e tanta honra.

LVIII. Creso, então, perdeu a paciência e lhe disse encolerizado: «E como não me incluis assim em nenhum grau dos homens felizes?» Sólon, não querendo lisonjeá-lo, nem também irritá-lo e enfurecê-lo mais, respondeu-lhe: «Ó rei dos Lídios, os deuses nos deram a nós outros, Gregos, todas as coisas médias e, do mesmo modo, entre outras, uma baixa e popular sabedoria, não real nem magnífica, a qual, considerando como a vida humana está sujeita a infinitas mutações, nos defende de confiarmos ou glorificarmos os bens deste mundo, nem muito estimarmos a felicidade de um homem que está ainda em perigo de mutação e cambiamento; pois o tempo traz todos os dias variadíssimos acidentes ao homem, nos quais jamais pensara. Mas, quando os deuses continuaram a boa dita em uma pessoa até ao fim de seus dias, então a reputamos bem-aventurada; mas julgar feliz aquele que ainda vive. visto como está sempre em perigo enquanto lhe dura a vida, isso nos parece de todo ser nem mais nem menos do que adjudicar o prêmio da vitória, antes do tempo, a quem ainda combate e que não está seguro de alcançá-la.»

LIX. Ditas essas palavras, Sólon regressou, tendo ofendido e não tornado prudente nem emendado o rei Creso. Mas Esopo, aquele que compôs as fábulas, estando então na cidade de Sardes, aonde fora mandado pelo rei, que lhe dava muito boa hospedagem, desgostou-se de ver que o rei tivesse feito a Sólon tão mau acolhimento e, assim, lhe disse à guisa de advertência. «Ó Sólon, ou de todo é preciso não se aproximar dos príncipes, ou é preciso comprazê- los e agradar-lhes.» «Mas, ao contrário, respondeu Sólon, ou é preciso não se aproximar deles, ou é preciso dizer-lhes a verdade e bem aconselhá-los.» Assim, na ocasião, fez Creso bem pouca conta de Sólon; mas, depois que ele perdeu a batalha contra Ciro, que perdeu sua cidade e foi feito prisioneiro, e o levantaram ligado e garroteado em cima de uma alta fogueira de lenha, para queimá-lo à vista de todos os Persas e de seu próprio inimigo Ciro, ele pôs-se a gritar tanto quanto pôde, em altas vozes, por três vezes: «Ó Sólon». Ciro ficou assombrado com isso e mandou perguntar-lhe se era um deus ou um homem aquele Sólon que ele reclamava assim unicamente no extremo da desgraça. Creso nada lhe ocultou e disse que «era um dos sábios da Grécia, que eu mandei buscar há algum tempo, não para aprender qualquer coisa com ele, de que tivesse necessidade, mas a fim de que fosse testemunha da felicidade na qual eu então me encontrava, quando o visse, na perda da qual há muito mais mal do que bem no gozo; pois eu conheço agora que todos os bens que possuía então não passavam de palavras e opinião, as quais se me tornaram agora realmente e de fato em graves dores e calamidades que não posso remediar: o que considerando aquele sábio Grego, e prevendo de longe o que sofro agora pelas coisas que fazia então, me advertiu que esperasse o fim de minha vida, e não presumisse demais de mim, inflado de vanglória sobre a opinião de uma beatitude tão mal fundada e tão pouco segura.» Tendo sido essas palavras relatadas a Ciro, que era mais sábio do que Creso e que via o dizer de Sólon confirmado por tão notável exemplo, não somente livrou Creso do perigo da morte, mas o honrou depois sempre, enquanto ele viveu: assim, pois, teve Sólon a glória de haver salvo a um desses reis a honra e a outro a vida, com sua sábia advertência.

LX. Mas, enquanto esteve ausente, houve grandes sedições entre os habitantes de Atenas, e eram chefes: daqueles da planície, Licurgo; daqueles da marinha, Mégacles, filho de Alcnéon; e daqueles da montanha, Pisístrato — com (40) os quais estavam juntos os artesãos que viviam de seus braços, que eram os mais ásperos contra os ricos, de tal modo que ainda que a cidade guardasse as leis e ordenanças de Sólon, não havia contudo aquele que não esperasse a mutação e não desejasse ver as coisas em outro estado, esperando cada uma das partes que sua condição melhorasse com a mudança e que ficasse acima de seus adversários.

(40) Entre os quais estavam os artesãos. C.

LXI. Estando pois as coisas em tal perturbação, chegou Sólon a Atenas, onde todos lhe prestaram honra e reverência; mas ele não mais dispunha de sua pessoa para poder falar alto em público, nem para manejar negócios como no passado o fizera, porque a velhice lho impedia; e, por isso, falou separadamente aos chefes das partes, ensaiando ver se podia pô-las de acordo e reconciliá-las. O que parecia querer Pisístrato entender mais do que nenhum dos outros, pois estava cortês e tinha a palavra doce e amigável, mostrando-se socorredor para com os pobres e moderado mesmo para com os inimigos; e, se havia nele alguma boa qualidade que lhe desfalecesse, ele a contrafazia tão bem que a acreditavam existir mais nele do que naqueles que verdadeira e naturalmente a possuíam, como ser homem repousado, não empreendedor, contentando-se com o seu sem aspirar mais além, odiando os que tentassem mudar o estado presente da coisa pública e maquinassem quaisquer novidades. Pelos quais fingimentos e simulações abusava do popular comum; mas Sólon descobriu-lhe incontinenti os costumes e a natureza e foi o primeiro a perceber o fim a que ele tendia, mas, sem odiá-lo ainda, tratava sempre de o conquistar e de o reconduzir à razão, dizendo frequentemente a ele próprio e a outros que, se lhe pudessem tirar da fantasia a ambição de querer ser o primeiro e se pudessem curá-lo dessa cupidez de dominar, não se encontraria homem mais bem nascido para a virtude nem melhor cidadão do que ele.

LXII. Ora, já então começava Téspis a apresentar suas tragédias; e era coisa que agradava maravilhosamente ao povo pela novidade, não havendo ainda numerosos poetas que as fizessem por emulação entre si, para conquista de prêmio, como houve depois, E Sólon, sendo por natureza desejoso de ouvir e de aprender, e procurando na velhice passar o tempo em todos os divertimentos, na música, na camaradagem, mais do que nunca, foi um dia ver Téspis, que também representava, como era costume antigo dos poetas; e, terminada a peça chamou-o e perguntou-lhe se não tinha vergonha de mentir assim na presença de tanta gente. Téspis respondeu-lhe que não havia mal em fazer e dizer tais coisas, visto como não passavam de farsa. Então, Sólon, batendo com firmeza no solo, com uma bengala que trazia na mão, disse-lhe: «Mas louvando e aprovando tais divertimentos de mentir cientemente, não nos guardaremos de que em breve iremos encontrá-los em nossos próprios contratos e negócios.»

LXIII. Pouco tempo depois, Pisístrato, tendo- se ferido ele próprio e ensanguentado por todo o corpo, fêz-se levar dentro de uma carreta até à praça, onde comoveu grandemente o poviléu, dando-lhe a entender que tinham sido seus inimigos que o haviam surpreendido à traição e o tinham assim fantasiado tão mal numa desavença que tivera com eles por causa do governo da coisa pública; e vários havia que estavam muito indignados e gritavam que aquilo tinha sido mal feito. E então Sólon se aproximou e lhe disse: «Ó filho de Hipócrates, tu contrafazes e representas mal o personagem do Ulisses de Homero: pois tu te (41) chicoteaste a ti mesmo para enganar os teus concidadãos, ao passo que ele se escalavrou para abusar dos inimigos.» Não obstante isso, a comuna tumultuava sempre, prestes a tomar das armas por Pisístrato; e realizou-se uma assembléia geral do conselho, na qual certo Aríston propôs se outorgassem a Pisístrato cinquenta homens armados (42) de alavancas e de maças, para a guarda de sua pessoa. Ao que Sólon, subindo à cátedra ou tribuna das arengas, contradisse virtuosamente e apresentou ao povo várias razões semelhantes àquelas que depois escreveu em versos, dizendo:

(41) No grego: feriste. C.
(42) O grego: cinquenta homens armados de maças. C.

Cada um de vós em seus negócios ousa
Ser avisado assim como a raposa,
Mas em conjunto sois de entendimento
Bem grosseiro, sem ver o fingimento
Desse Homem em que não deveríeis crer
Sem nenhum dos seus atos conhecer. (43)

Mas, por fim, vendo que os pobres tumultuavam, tomando o partido de Pisístrato, e os ricos fugiam amedrontados aqui e acolá, retirou-se também, dizendo que mostrara ter mais senso do que uns e mais coragem do que os outros: mais senso do que aqueles que não viam o fim ao qual tendia Pisístrato, e mais coragem do que aqueles que conheciam bem que ele aspirava a usurpar a tirania e, contudo, não ousavam resistir-lhe. Assim, o povo autorizou a proposição de Aríston, no tocante à outorga dos alabardeiros, sem limitar-lhes o número, antes obrigando- o a tê-los ao redor de si e a reunir tantos quantos quisesse, até que ele se apoderou da fortaleza do castelo. E então a cidade se viu bastante surpreendida e aterrorizada, tendo fugido incontinenti Mégacles e todos os que eram da raça dos Alcmeônidas.

LXIV. E Sólon, que estava já muito velho e não tinha ninguém que o secundasse, dirigiu-se contudo ainda à praça, onde falou aos cidadãos que encontrou, censurando-lhes a burrice e a frouxidão de caráter e encorajando-os a não deixarem que se perdesse a sua liberdade. Foi então que pronunciou estas palavras que depois foram recolhidas e se tornaram famosas: «Antes, disse ele, era-vos mais fácil impedir que esta tirania se formasse; mas agora, que ela está formada, ser-vos-á mais glorioso aboli-la e exterminá-la.» Todavia, para todas essas belas razões, ele não achou ninguém que lhe prestasse ouvido, tão espantados estavam. Eis porque se retirou para casa, onde tomou suas armas e as pôs diante da porta no meio da rua, dizendo: «Quanto a mim, fiz tudo o que me foi possível para socorrer e defender as leis e a liberdade do meu país.» E desde então se manteve quieto, sem mais intrometer-se no governo da coisa pública. Os amigos aconselharam-no a fugir, mas ele nada quis fazer para isso e se conservou em casa compondo versos nos quais censurava aos Atenienses suas faltas, dizendo:

Se muito no presente vós sofreis,
Contra os deuses por tal não murmureis:
Vede o engano fatal que praticastes
Quando tropas vassalas entregastes
Aos que dominam vossos chefes vis
Para torná-los inda mais servis.

(43) Sem nenhum dos seus atos conhecer é o sentido de um verso pentâmetro que falta no texto e que Amyot acrescentou, ou segundo um manuscrito, ou segundo Clemente de Alexandria, que cita esse verso, Stromates- livr. I, pág 328. C.

LXV. Por tais discursos, admoestaram-no os amigos para que reparasse no que dizia, havendo perigo de que o tirano, ouvirido-o assim falar, mandasse matá-lo; e lhe perguntavam em que confiava para falar tão audaciosamente, ao que ele respondeu-lhes: «Em minha velhice». Todavia, Pisístrato, após sobrepor-se à sua aliança, prestou-lhe tantas honras e deu-lhe tão bom acolhimento, mandando indagar de sua opinião, que Sólon por fim entrou no seu conselho e aprovou muitas coisas que ele fazia; pois o próprio Pisístrato guardou inviolavelmente e fez que seus amigos guardassem as leis de Sólon, de tal maneira que, sendo chamado à justiça perante a corte de Areópago, por um homicídio quando já tirano, apresentou-se muito modestamente para responder às acusações que lhe faziam e justificar-se; mas o acusador não prosseguiu. E o próprio Pisístrato fez ainda novas ordenanças, como aquela segundo a qual «quem fosse mutilado de algum membro na guerra e ficasse incapaz, seria nutrido durante toda a vida a expensas da coisa pública». O que antes já fora começado na pessoa de Tersipo, assim como escreve Heráclides, por sugestão de Sólon, que o apresentou ao conselho; e depois Pisístrato, seguindo essa proposição, fez para o futuro uma ordenança geral. O próprio Teofrasto diz que foi Pisístrato, e não Sólon, quem instituiu a ação por ociosidade, o que foi causa de que o país da Ática se tornasse mais frutuoso sendo mais bem laborado, e a cidade de Atenas ficou mais pacífica.



LXVI. Mas Sólon, tendo começado a deitar por escrito em versos o conto e a fábula da ilha Atlântica, que ele aprendera dos sábios da cidade de Sais no Egito, e que convinha aos Atenienses, cansou-se e ficou em caminho, não por negócio ou impedimento que tivesse, como diz Platão, mas somente por sua velhice e porque a extensão da obra lhe causou medo. Pois, em suma, que tivesse lazer bastante, aparece nos versos onde diz:

Aprendendo à medida que envelheço.

E em outra passagem, onde diz:

Dona Vénus agora me seduz
E de Baco a bebida me conduz,
Bem como os dons das Musas: aí temos
Os pontos de prazer por que vivemos.

Depois, tendo Platão querido deduzir longamente e enriquecer esse tema da fábula Atlântica, como querendo, por maneira de dizer, cultivar um campo deixado sáfaro, que de algum modo lhe pertencia, por extrair e descender da raça de Sólon, começou a construir ali um belo e soberbo pórtico, cercá-lo de belas muralhas e pôr grandes pátios à entrada, tais como jamais outro tratado nem fábula, ou invenção poética, teve tão magníficos; mas, porque começou também tarde demais, acabou a vida antes da obra, deixando aos leitores tanto mais desgosto de não terem o que sobre isso resta escrever quanto mais dá prazer aos leitores o que se escreveu; pois, exatamente assim como na cidade de Atenas o templo de Júpiter Olímpico foi o único que ficou imperfeito, também a sapiência de Platão, entre tão belos discursos que dele saíram, não deixou imperfeito senão aquele único da fábula Atlântica.

LXVII. Sólon, pois, viveu ainda muito tempo depois que Pisístrato usurpara a tirania, assim como diz Heráclides do Ponto; todavia, Fânias de Éfeso escreve que ele não viveu mais do que dois anos. Pois Pisístrato usurpou dominação tirânica no ano em que Cômias foi preboste em Atenas; e Fânias escreve que Sólon morreu no ano em que Hegéstra- to o foi, isto é, no ano próximo seguinte. E, quanto ao dizerem alguns que as cinzas de seu corpo após a morte foram espalhadas por toda a ilha de Salamina, parece isso ser coisa inventada, onde não há verossimilhança; mas, não obstante, foi ela escrita por vários notáveis autores e, entre outros, pelo filósofo Aristóteles.

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